quinta-feira, 31 de maio de 2012

Mundo livre, Ltdo.


• Por Fernando Yanmar Narciso


Ela já foi uma calça azul desbotada, e agora é um caixote inteiro de roupas velhas, pronto para a campanha do agasalho. Sinto desapontá-los, mas cheguei à conclusão que a liberdade continua sendo apenas uma fábula. Aos ouvidos de qualquer um é agradável a idéia de que o homem nasce e morre livre, seguramos as rédeas do nosso destino e podemos tomar as decisões que bem entendermos, blábláblá...

Ironicamente, quanto mais liberdade nós conquistamos, menos a sentimos. Os mais poderosos constantemente tomam todas as decisões importantes por nós. Todos os dias nós vemos por aí indícios que não querem que tenhamos liberdade ou responsabilidades. Há não muito tempo, as pessoas não passavam da marca dos 50 anos. Os motivos nunca mudam: Bebida, cigarros, libertinagem... Mas os nossos avôs e até nossos pais desfrutavam de liberdade maior que a que temos hoje. É uma insanidade, mas no tempo deles, quando completavam 18 anos tinham que escolher qual marca de cigarros fumariam daquele momento até baterem o último prego do caixão. Não era uma boa escolha, mas ainda tinham o direito à responsabilidade de fazê-la.

As indústrias do álcool e do tabaco praticamente mandavam no planeta, anunciavam uísque Natu Nobilis no intervalo da Sessão da Tarde, as empresas de cigarro faziam os comerciais mais premiados da telinha. E agora cigarros foram banidos da mídia, fumantes os pedem no balcão em voz baixa, como se estivessem comprando bolinha pra pôr na sopa da sogra. Tanto comes como bebes só podem ser anunciados em horários muito específicos, quando não tem muita criança na frente da TV, e anúncios de doces, nem pensar.

A mídia vive de vender a imagem que só os magros e bombados são felizes. Tentam nos forçar a querer uma alimentação mais saudável, com mais fibras, menos sódio, 0% de gordura trans, 0% de açúcar. São capazes até de dizer que salada de alfafa faz bem à saúde. Mas, na real, não é todo mundo que gosta de bancar o poser da boa forma. Não, por exemplo, nos Estados Unidos, com uma população de 30% de obesos. Somos hipoteticamente livres para sermos como quisermos, podemos até adoçar o café com um naco de toucinho se der na telha. Afinal, tá no inferno, abraça o capeta.

Por muito tempo vivemos numa ditadura militar. Foram tempos difíceis e também irônicos. O engraçado é que naquele tempo os programas humorísticos desfrutavam de mais liberdade que, por exemplo, as novelas de Janete Clair. Perguntem ao Renato Aragão.

Ainda nos tempos da TV Tupi, ele e os outros trapalhões tiravam de letra o humor escrachado e autodepreciativo que sempre foi a cara do Brasil. O franzino espertalhão cearense, o galã modernete paulistano, o negro cachaceiro e malandro carioca e o capiau ingênuo mineiro. Somos nós!

O programa deles estreou na Globo em 1977 aos domingos às 19:00, e por quase 20 anos trouxeram, através dos estereótipos dos quatro astros, sátiras cruéis mas hilariantes à nossa sociedade. Hoje o programa deles quando muito só conseguiria aval para ser exibido de madrugada. Os afro- pobrezinhos de agora ficariam com os cabelos alisados e oxigenados em pé ao ouvirem chamando o Mussum de “fumaça”, “pé-de-rodo”, “urubu”, “macaco”, entre outros apelidos piores. Mas a graça do personagem é que podiam até curtir com a cara dele, mas ele levava na esportiva e respondia sempre à altura. Não era necessário partir pra ignorância ou enfiar um processo na cara dos colegas como todos fazem hoje, bastava fazer rir. Isso sem falar do coitado do figurante anãozinho que vivia sendo trolado, de quando insistiam em dizer que personagem tal “camuflava”, entre outras piadas que fariam os censores de hoje pedirem pelotão de fuzilamento para os redatores do programa.

E Chico Anysio, então? Ele criou a personagem Salomé durante o governo do Figueiredo com o intuito de dar puxões na orelha do governo, mas sempre cheio de graça. A velhinha amiga do peito do presidente deu tão certo que até o próprio JB falava bem dela em seus discursos, afastando um pouco a fama dele de anta truculenta.

O que a polícia moderna do humor não consegue entender é que os humoristas faziam essas piadas preconceituosas, mas sem intenção de massacrar o próximo. O que não é o caso de hoje, em que “mestres” do stand-up brasileiro como Rafinha Bastos abusam do direito à liberdade de expressão, falam uma pá de grosserias sobre famosos desavisados, são processados e têm seus contratos rasgados na cara.

Em mãos erradas, a ilusão de liberdade pode ser muito perigosa.

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

2 comentários:

  1. Fernando, sei que parece, pois você demonstra saber de informações de todos os lados, mas você não lê tanto. Sei que é louco pela década de oitenta, àquela na qual você nasceu. Sobre ela leu quase tudo. Vejo que tem uma visão crítica do mundo bem interessante, com uma maneira peculiar e própria. Gosto das suas reflexões, embora no dia-a-dia eu não demonstre. Parabéns pelo texto, que está dando o que falar.

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  2. E como eu gosto de te ler, Fernando. Ao lermos, no entanto, como Mara disse: "Vejo que tem uma visão crítica do mundo bem interessante, com uma maneira peculiar e própria." A rigor, podemos chamar de reflexões de um jovem que retrata tão bem um panorama social brasileiro dos anos 60/70, que hoje, vivemos um momento histórico completamente diferente daquele tempo.
    Parabéns!

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