Querido símbolo da terra
* Por
Marcelo Sguassábis
Há mais podridão por
trás da valorosa bandeira da República de Cargibeia do que seria razoável
supor.
– O algodão utilizado
na confecção obrigatoriamente deve apresentar atestado da região de
procedência, ser cultivado com defensivo e fertilizante homologados pelo governo
e fornecido em fardos de dimensões e pesos absolutamente exatos, determinados
por legislação específica. As exigências são tantas que a não conformidade
acaba sendo a regra, fazendo com que milhões de arrobas de algodão sejam
incineradas todos os meses pelos chamados “fiscais da bandeira”, por não
atenderem às normas exigidas antes do processo de fiação e tecelagem do nosso
símbolo maior. É quando um novo e gigantesco lote de algodão é adquirido, outra
vez reprovado, incinerado e assim sucessivamente – numa verdadeira sangria aos
estoques reguladores da commodity.
– Quando prontas, um
exército de mulheres passadeiras e dobradeiras é recrutado para acondicionar as
bandeiras em contêineres oficiais adquiridos em licitação ilícita. Uma vez
repletos, os contêineres seguem para um condomínio de galpões industriais, onde
são estocados para suprimento conforme a demanda. Tais mulheres trabalham em
regime de escravidão mas recebem gordos contracheques como servidoras
estatutárias, dinheiro que por elas é forçosamente devolvido no ato do
recebimento e em seguida desviado para utilização como caixa de campanha.
– Laudo microbiológico
identificou traços de cocaína em 17 das 18 amostras de bandeiras recolhidas
para análise, fato que sugere a utilização dos contêineres para armazenamento
de outros e suspeitos produtos.
– Os mastros das
bandeiras, para uso em salas de aula nas escolas públicas, deveriam ser
confeccionados em madeira de lei da reserva indígena de Caixipó. A madeira de
lei, na verdade, é um tanto quanto fora da lei, pois é desviada para
contrabando. Os mastros acabam sendo produzidos em resina barata, de baixa
resistência e durabilidade.
– Após instaladas, uma
equipe volante executa os testes de desempenho por meio da USV - Unidade
Simuladora de Vento, que nada mais é que um gigantesco ventilador de quatro
metros de altura. Os técnicos da equipe desfraldam a bandeira, ligam a USV e
analisam o comportamento da mesma tremulando, para aferir se causam o efeito
cívico desejado.
– Quando mingua a farra
com o dinheiro público, um novo Estado da Federação é providencialmente criado.
A bandeira ganha uma nova estrela, e todas atualmente em uso são recolhidas e
destruídas em grandes máquinas retalhadoras – estas sim adquiridas conforme o
figurino, para não dar bandeira.
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Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).
Um fim digno para a bandeira de um grande país seria o picote ou a combustão. Infelizmente, no caso citado há bandalheira e fatos que nos são relativamente próximos.
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