Bola no ponto futuro?
* Por
Mário Prata
Você sabe o que é uma
bola no ponto futuro? Sabe não, né? Nem eu.
Os locutores de futebol
do Brasil – e apenas do Brasil – são todos intelectuais. Eles sabem o que é uma
bola no ponto futuro. Nós não.
O brasileiro quer ser
moderno, quer ser Primeiro Mundo. No dia em que aquele doido disparou na
plateia, o Brasil chorou lágrimas de país desenvolvido. O cara era branco,
forte, curso superior, metralhadora de primeira, inocentes vítimas.
E é no futebol, onde a
gente é o melhor do mundo (apesar dos técnicos), que os coleguinhas insistem em
intelectualizar a coisa.
Lembra da melhor de
três? Quer coisa mais brasileira do que uma melhor de três? Até na cama o
brasileiro gosta de uma melhor de três. Pois agora não é mais melhor de três.
Agora é playoff. Playoff! Influência americana. Não do futebol americano, mas
do basquete, da tal da NBA.
Até há pouco tempo o
jogador batia um escanteio. O que antes já era córner. Agora é tiro de canto. E
o tiro de canto é mostrado pelo auxiliar de árbitro. Aquele mesmo que todo
mundo sempre chamou de bandeirinha. Aquele que levantava o pau, a bandeira.
Agora ele levanta o seu instrumento de trabalho. Instrumento de trabalho! Já
pensou o cara saindo de casa para ir trabalhar e perguntando para a mulher:
Você viu o meu instrumento de trabalho?
Até há pouco tempo
também, o jogador gostava de fazer cera. Hoje, que ele faz mais cera do que
nunca, dizem que ele está valorizando a posse da bola. Tá na cara que o sujeito
tá fazendo cera. Mas vem um Galvão qualquer e o exime. Imagina, fazer cera.
Está apenas valorizando a posse da bola.
Antigamente o jogador
passava a bola. Dava um passe. Hoje ele não passa mais a bola. Ele faz uma
assistência. Muito esquisito. Será que o jogador que recebeu o passe, gritou me
assista, me assista!, e o cara assistiu? Sabe de onde vem isso? Dos americanos.
Não do futebol americano, mas do basquete.
Vamos em frente. Lembra
do drible da vaca? Apesar dos campos continuarem com a grama – menos em
Brasília, onde comeram toda ela – tiraram a vaca de campo. O drible da vaca
agora se chama overlap. É, tempo de computador. Deletaram a vaca.
E chapéu? Dar um
chapéu. Hoje em dia não se dá mais chapéu. Dá-se (quem consegue, é claro) um
voleio. Coisa de americano, também. Não do futebol americano, mas do tênis.
E aquele jogador que
corria pela lateral? Tanto podia ser o beque ou o ponta. Pois agora os dois se
chamam ala (basquete americano, de novo). Quando eu crescer vou jogar de ala.
Pode? Tudo bem, já que o centroavante virou cabeça-de-área. Para desespero dos
goleiros que antes defendiam ou com a mão direita ou com a esquerda. Hoje,
defendem de mão trocada, depois de cuspirem na luva, coisa de hóquei sob (ou
sobre) patins no gelo.
Lembra quando o sujeito
dava uma rasteira no adversário? Não existe mais rasteira. É uma obstrução. E
quando ele entrava de carrinho? Agora se chama falta pra cartão.
E ali por onde reinaram
Zito, Dino, Dudu, Clodoaldo? Cada time tinha um só. Agora têm quatro e eles
atendem pelo nome de volante. Logo mais serão seis os volantes. Coisa de
loteria mesmo.
A trave do outro lado
virou segundo pau. A bola nunca vai no primeiro pau, já notou? Mesmo quando
chutada de rosca, que agora se chama de três dedos. Antes, um drible era para
humilhar. Hoje, desmoraliza.
Cartola virou
vice-presidente de futebol e saco virou virilha.
Morte súbita tá virando
gol de ouro.
A segunda divisão
chama-se série B…
Quanto a esperar a bola
no ponto futuro eu, um dia, chego lá. E agora eu vou tomar banho, porque eu
ainda gosto de ficar na banheira.
* Escritor e jornalista
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