Quadrado e redondo
* Por Pedro J. Bondaczuk
O conflito de gerações é, certamente, tão antigo
quanto o próprio homem. Vai existir enquanto houver ser humano na face da
Terra. Mesmo sabendo disso, todavia, incomoda-me sobremaneira quando algum
jovem diz, ou simplesmente insinua, que sou "quadrado", querendo com
isso dar a entender que sou ultrapassado, antiquado, parado no tempo. O
incômodo é ainda maior quando me lembro que a minha geração foi uma rompedora
por excelência de tabus. Alterou costumes cristalizados, francamente
hipócritas, quando não imbecis. Superou preconceitos, embora uma infinidade
deles tenha resistido. Desafiou a ordem vigente, o chamado "sistema",
quando era uma temeridade fazê-lo.
Cometeu, é verdade, nesse processo inovador, uma
série de disparates. Derrubou conceitos morais de séculos, por exemplo, mas com
um defeito grave: não apresentou nada de novo para substituir o que foi
derrubado. Ainda assim, foi uma geração revolucionária. Na maioria dos
aspectos, a atual é muito mais conservadora do que ela. Foram os moços
idealistas e rebeldes dos anos 60 que abriram caminho para que os que hoje
estão na faixa dos 18 aos 30 anos cresçam e se desenvolvam de forma mais livre
e equilibrada.
Apregoa-se, a todo o momento, em especial nas artes,
(colocando-a como um dogma), a "modernidade". E o que é ser moderno?
Cada pessoa tem uma definição para esse conceito (bastante vago), de acordo com
o seu grau cultural e sua formação. "Ah, é ser novo", dizem alguns.
"É ser jovem", asseguram outros, como se a juventude fosse eterna e
se constituísse em virtude, e não em mera condição biológica, que, por
conseqüência, é transitória. Prefiro a forma de encará-la de Carlos Drummond de
Andrade. Para o poeta de Itabira – que mesmo depois de morto jamais perdeu a
modernidade – melhor é ser "eterno". Como Virgílio. Como Píndaro.
Como Ovídio. O que há de arcaico, de ultrapassado, de imprestável nestes gênios
clássicos?
Qual o garoto de hoje,
(supostamente "moderno" somente porque ainda viveu muito pouco) que
consegue expressar as delícias e sofrimentos do amor com maior ternura, com
maior malícia, com maior picardia e com maior beleza do que esses escritores
antigos, antiqüíssimos, anteriores ao nascimento de Cristo? Qual o adolescente
atual que tem a coragem de negar a modernidade de um Caetano Veloso, sem corar
de vergonha? Ou de um Gilberto Gil? Ou de um Chico Buarque, de uma Gal Costa,
de um Roberto Carlos etc.? Pois este pessoal todo é da minha geração! Todos
estão na faixa do meio século e uma década de vida.
A esse propósito, tenho comigo o texto de um
discurso do escritor russo Aleksander Soljenitsin, lido por seu filho Ignati na
cerimônia da entrega da medalha de honra de literatura no Clube Nacional de
Artes, em Nova York ,
em 6 de fevereiro de 1993. Antes, portanto, de regressar à sua Rússia natal. O
texto é bastante longo, mas o trecho mais representativo é o que se refere a
essa verdadeira obsessão pelo novo, sem levar em conta sua qualidade. Diz:
"A destruição se tornou apoteose desse vanguardismo beligerante. Ele
visava a derrubar toda a tradição cultural que durava séculos, romper e desviar
o fluxo natural do desenvolvimento artístico através de um repentino salto para
a frente. Esta meta deveria ser conseguida através de uma busca vazia por
formas inovadoras como fim em si mesmas, ao mesmo tempo rebaixando os padrões
de proficiência de cada um, às vezes com crueza e do desleixo artísticos, às
vezes combinados com um significado tão obscurecido que se confundia com a
ininteligibilidade".
Ser moderno é abrir mão da técnica pictórica, em
favor de meia dúzia de borrões ao acaso? É assassinar o vernáculo, arrebentar a
gramática, subverter a grafia das palavras e trucidar a concordância? É juntar
sons que lembram urros de dinossauros (ninguém sabe se eles os emitiam, pois
desapareceram 70 milhões de anos antes do homem surgir sobre a Terra, mas se
sim, devem ter sido aterrorizantes), ou dissonâncias mais primitivas do que as
das tribos dos bosquimanos australianos? Se for... Sinceramente, prefiro
continuar "quadrado". Mas em ótima companhia, não acham?
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Como você mesmo já disse algumas vezes, o unso atual e moderno, está como está, por que foi feito pelos que chegaram antes, estão velhos ou já morreram.
ResponderExcluirUnso igual mundo
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