O vendedor de pomadinha
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Minha primeira copa, ou
pelo menos a primeira que assisti prestando atenção e torcendo pelo Brasil, foi
o tetracampeonato de 94, conquistado pela polarizada seleção de Parreira. Logo,
vocês podem adivinhar que cresci acostumado a ver uma seleção sempre jogando na
retranca e com placares compactos, uma realidade totalmente adversa ao
futebol-arte que fez nossa fama em torneios passados. Em minha tenta inocência
de dez anos de idade, chamava os comuns placares rasos de 1 X 0 daquela seleção
de “goleadas”.
Era quarta-feira de
manhã, uma noite após o angustiante e morno jogo de Neymar F.C contra o México.
Ah, não fossem aquele goleiro mágico dos cucarachas e nosso “moicânico” craque
carregando sozinho o peso do país em seus ombros raquíticos, nossa sorte teria
sido outra. Um empate de zero, logo após a vitória gorda, porém problemática,
que conquistamos na estreia contra a Croácia, precisaria de mais que algum
Prozac e vodca barata para ser exorcizada...
Na avenida, embaixo dos
semáforos, destoante dos já tradicionais malabaristas e cuspidores de fogo
(falo dos artistas circenses, não dos escapamentos), havia uma figura no mínimo
pitoresca. Um cavalheiro supostamente mexicano, alto e meio balofo, de
sombreiro e camisa da seleção mexicana, provocava os motoristas esperando o
sinal abrir, tentando vender frascos de “Hipoglos caseiro”, para aliviar as
supostas dores de seus colegas latinos.
Olha só, eu não sou
médico ou coisa parecida, mas Hipoglos não é usado pra aliviar assaduras no
CENSURADO? Concordo que os reis da pimenta Jalapeño e da tequila José Cuervo
deram uma canseira na gente, mas não me lembro de ver nenhuma bola deles
obstruindo nossa privacidade furicular. Mesmo assim, o mariachi de sinal
celebrava e curtia com a cara dos transeuntes como se eles tivessem acabado de
vencer a final da copa contra nós.
Pior que aquele que não
sabe perder com dignidade, só o outro que comemora empate como uma vitória
humilhante sobre o adversário, e empate de ZERO, ainda por cima... Um recadinho
pros colegas chicanos: Bola alta só conta como ponto se balançar a rede, não se
explodir no topo da trave! Foi tanto chute alto pra fora ou defendido por J.C
que chegou a lavar a alma do saudoso Roberto Baggio.
Depois de um começo
quentíssimo da copa mais controversa desde a de 1978, repleta de memoráveis
zebras, certos times desconhecidos dando uma verdadeira lição de garra ao mundo
e placares acima dos 3 X 0 feitos rotina -incluindo aí um verdadeiro
fuzilamento da Alemanha sobre Cristiano Ronaldo F.C de 4 X 0 e o vexame da
atual campeã Espanha, que sequer conseguiu se classificar pra próxima fase,
começaram a surgir indícios de que estamos numa copa moderna...
Se há uma coisa que me
afasta do futebol fora das copas são os odiosos placares de 0 X 0, 1 X 0, 1 X
1... Quer coisa mais deprê que entrar em campo, suar mais que um tirador de
“ispríto” e sair do gramado de mãos abanando ou com só um gol de vantagem? Por
isso os americanos costumam não levar “soccer” tão a sério, pois trata- se de
um esporte onde simplesmente não há satisfação imediata, e placares elásticos
são como rugas no rosto de Kylie Minogue ou celulite na bunda de Cláudia
Leitte: Praticamente extintos e protegidos pelo IBAMA.
De qualquer forma, o
mundo está diante de um torneio revisionista e imprevisível. O que costumamos
pensar ao ter notícias de partidas como, por exemplo, entre Itália e Costa Rica
ou entre Argentina e Irã? Seriam verdadeiros passeios no parque para os times
grandes, milionários e ajumentados, certo? Não mais. Como quando o Sepultura
tornou-se a mais conhecida banda de heavy metal do mundo ao vencer as
hegemonias norteamericana e européia no gênero, os ratinhos dos países
colonizados pelos europeus de repente aprenderam a rugir, e não raro mais alto
que os times considerados “bichos-papões” desde sempre.
Sem sombra de dúvida, a
tarde mais surpreendente dessa copa foi a do último dia 21. Leonel Messi F.C,
quer dizer, o “time” da Argentina precisou ser amaciado heroicamente por 90
minutos pelo determinado e nojentaço time iraniano, numa legítima batalha de
trincheiras de onde Messi conseguiu extrair um mísero gol no último minuto da
partida, que deve ter feito muito hermano enfartar por aí... Um único gol
chorado que foi comemorado como um 5X0 por nossos vizinhos portenhos. Boa sorte
nas oitavas!
Na mesma tarde a
Alemanha, que após humilhar um dos grandes favoritos ao título em 2014,
precisou suar muito os lederhosens e quase chorar lágrimas de sangue para
tentar quebrar o empate de 2x2 contra Gana, que heroicamente segurou o
resultado até o fim. Como aparentemente tudo pode acontecer nessa copa
amaldiçoada, é mais que compreensível o receio que o torcedor brasileiro sofre
às vésperas de enfrentar Camarões, seu último sufoco rumo à segunda fase do
torneio.
Nunca nasceram tantas
zebras no planeta como nesse mês de junho. Nem lá na África! Esperamos ainda
estar aqui após as 19:00 de hoje... E que a nação quadriculada também tenha
apagado o sorriso do rosto do vendedor de pomadinha do sinal ao fim da tarde!
*
Escritor e designer gráfico. Contatos:
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