Um exercício
de "presentologia" paralela de Ayrton Senna
* Por Gustavo do Carmo
O
filme De Volta para o Futuro (não lembro se o primeiro, o segundo ou os dois)
apresentou uma cena de presente paralelo para mostrar como seria a vida do
protagonista Martin McFly (Michael J. Fox) se ele tivesse mudado o seu passado.
O pai seria rico, a mãe esbelta e ele mesmo teria um monte de filhos com a
esposa gorda.
Com as lembranças dos
vinte anos da morte de Ayrton Senna, em Ímola, em 1994, muita gente, com certeza,
já imaginou como seria a sua história se ele não tivesse sofrido aquele
acidente na curva Tamburello. Os mais influentes ainda escreveram e publicaram
a teoria. O comentarista da Rede Globo Reginaldo Leme e o colunista do Jornal O
Globo, Renato Maurício Prado já fizeram o exercício deles.
Renato apostou que Senna
seria heptacampeão e não o alemão Michael Schumacher, que pulverizou os
recordes do piloto brasileiro, mas hoje agoniza em coma após sofrer um acidente
de esqui na França entre o Natal e a passagem de Ano. Schumacher só teria seis
títulos. O de 1994 seria de Senna. Reginaldo imaginou um outro acidente ainda
mais grave sofrido por Ayrton em 1995, acho. Já não lembro quantos títulos ele
teria pelo parceiro do Galvão. Sem querer plagiar o Renato, o Reginaldo ou mais
alguém que tenha imaginado como seria Ayrton Senna ainda vivo faço aqui a
"presentologia" paralela do nosso tricampeão.
A história começaria a
ser mudada no momento em que Senna desiste de correr no Grande Prêmio de San
Marino, em protesto contra os acidentes de Rubens Barrichello na sexta e o
fatal do austríaco Roland Ratzenberger no sábado. Ele confiou no seu mau
pressentimento e comunicou a sua desistência à equipe, que não teria gostado da
decisão, mas acabou aceitando.
Galvão Bueno abriria a
transmissão da Rede Globo, meio que surpreso, meio que aliviado, com a decisão
do piloto, como faria de verdade quatro
anos mais tarde na Copa do Mundo da França, quando Ronaldo Nazário, a
princípio, não tinha sido escalado por causa da convulsão que sofrera na
concentração antes da final contra os donos da casa.
Diferente de Ronaldo,
Senna não voltaria atrás. Não correria e pronto. Piloto reserva da Williams, o
escocês David Coulthard não sofreria o acidente destinado ao brasileiro porque
também não correria, pois o regulamento só permitia a substituição antes da
classificação de sábado. Assim, a equipe inglesa só correria com um carro, o do
inglês Damon Hill, seu companheiro de equipe.
Mesmo concordando, Frank
Williams advertiria Senna sobre uma possível demissão caso tenha outra recusa.
Mas o perdoaria depois do acidente entre o português Pedro Lamy e o finlandês
J. J. Lehto na largada, que deixou a corrida em bandeira amarela pelas seis
voltas que Senna deu antes de morrer. No choque o pneu de um dos pilotos (não
lembro de quem e estou com preguiça de pesquisar) voou sobre um espectador (ou
espectadora, também não lembro) e o matou. A luta de Ayrton Senna pela
segurança continuou e foi reforçada com os acidentes quase fatais do austríaco
Karl Wendlinger, em Mônaco, logo na etapa seguinte a Ímola e com o finlandês
Mika Hakkinen em Adelaide, em 1995.
Apesar de tantos acidentes, ele continuou correndo, rezando sempre para
Deus.
O título de 1994 seria
mesmo de Michael Schumacher, com a Benetton, como foi de verdade. O desfecho
seria igual ao que aconteceu realmente entre o alemão e Damon Hill, que herdou o posto de primeiro
piloto com a morte de Senna.
No Grande Prêmio da
Austrália, Schumacher fechou o inglês numa curva do circuito de rua de Adelaide
e foi campeão porque o eixo do carro de Hill ficou quebrado com a batida e ele
teve que abandonar a prova. O mesmo aconteceria com Senna. A imprensa iria
lembrar a rivalidade com Alain Prost, com manchetes do tipo "A história se
repete". Schumacher seria o Prost de 1989 da vez.
Decepcionado com a perda
do título de 1994, Senna manifestaria publicamente o seu desejo de sair da
Williams. Admitiria um pré-contrato com a Ferrari, mas voltaria atrás e
continuaria com a equipe azul e branca em 1995. Disputaria o título até a
última prova com Schumacher e perderia pela segunda vez. Na história real, o
alemão confirmou seu título na antepenúltima etapa, em Aida, Japão.
Desta vez, aí sim, Senna
sairia da Williams, de mudança para a Ferrari. Assinaria o contrato na metade
da temporada. Mas seria traído pela equipe italiana e ficaria com o posto de
segundo piloto, pois o primeiro seria de Michael Schumacher, seu novo
companheiro forçado de equipe. A história de ter um inimigo no mesmo boxe se
repetiria.
Mesmo como segundo
piloto, Senna se daria melhor na Ferrari e ganharia o seu tão sonhado
tetracampeonato, em 1996, numa disputa contra o ex-companheiro Damon Hill e o
"atual", Schumacher, até a última prova, em Suzuka, no Japão. Faria
até algumas malandragens nos boxes da Ferrari para virar o jogo. Apesar de ter
sido campeão, Senna já estaria de malas prontas para ser recebido de volta como
o filho pródigo na McLaren, inclusive pelo seu velho companheiro e discípulo,
Mika Hakkinen. O contrato novamente teria sido assinado no meio da temporada
anterior.
Senna seria penta em
1997 na equipe onde conquistou os seus três primeiros títulos. A diferença é
que agora a McLaren é prateada e não mais vermelha e branca como na sua
primeira passagem. Revivendo 1990, o troco em Alain Prost se repetiria em
Schumacher (que o derrotara em 1994). A fechada desonesta, no entanto, que em
1990 foi de Senna, em 1997 seria novamente de Schumacher, no último Grande
Prêmio, o da Europa, em Jerez de La Frontera. Schumacher perdeu o vice-campeonato
daquele ano pela conduta antidesportiva. O hexa viria em 1998, agora com o
alemão derrotado nos boxes na derradeira prova, em Suzuka, por causa de um
estouro de pneu.
Em 1999, Michael
Schumacher sofreu um grave acidente em Silverstone, que o deixou com as pernas
quebradas por quase todo o resto da temporada. Só voltou na penúltima etapa.
Seu companheiro, o irlandês Eddie Irvine, que agrediu Senna em 1993, teria
poucas chances no campeonato, que seria disputado pelo brasileiro e Mika
Hakkinen. Melhor para o nosso piloto, que levaria o hepta na penúltima prova,
no estreante GP da Malásia.
Em 2000, aos dezesseis
anos de carreira e quarenta de vida, Senna já demonstraria cansaço com a
Fórmula 1. Ganharia poucas provas e não teria chances com a superioridade da
Ferrari de Michael Schumacher.
Deu prioridade aos
bastidores, tentando colocar o seu pupilo e conterrâneo Rubens Barrichello numa
equipe de ponta. Tentaria a sua eterna McLaren, mas não queria desempregar o
seu também amigo Mika Hakkinen. Rubinho acabou acertando com a Ferrari.
Em 2001, Senna
finalmente encerraria a sua vitoriosa trajetória de sete títulos mundiais e
recordes de vitórias e pole positions. Estes dois últimos só seriam quebrados
por Schumacher no final da carreira do alemão e por pouco.
O brasileiro tiraria um
ano sabático da Fórmula 1, se dedicando aos seus negócios, como a marca Senna,
o Instituto Ayrton Senna, entre outros. Ficaria ainda mais rico com a venda da
sua participação na Audi, que assumiria ela própria as operações no país.
No ano seguinte,
escreveria a sua tão sonhada biografia, contando todos os podres da Fórmula 1.
Um dos últimos capítulos teria uma crítica ao agora desafeto Rubens
Barrichello. Senna teria se decepcionado com a falta de garra, ousadia e
determinação do seu ex-discípulo, que aceitou ser um mero escudeiro de Michael
Schumacher.
Na vida pessoal, teria
rompido o namoro com Adriane Galisteu (que manteria a sua fama falando mal do
piloto em programas de subcelebridades) ainda em 1994. Depois de outras jovens
namoradas, teria reatado e casado com Xuxa, com quem teria um casal de filhos:
Sasha (escolha dela) e Milton (escolha dele, em homenagem ao pai).
Mas se separaria
recentemente como amigos. Apesar de sempre apaixonado pela velocidade e pelo
desafio, Senna não correria mais em temporadas completas. Sua relação com as
pistas se limitaria a participações esporádicas em corridas da NASCAR (stock
car norte-americana), WTCC (mundial de turismo), 24 Horas de Le Mans, Stock Car
brasileira e 500 Milhas de Indianápolis. Venceria todas. Mas pararia de correr
a pedidos da ex-mulher Xuxa e dos filhos.
Combinando com a
profecia de Reginaldo Leme, faria sucesso nas redes sociais, com críticas aos
bastidores da Fórmula 1 que não poderia fazer como comentarista na grande
mídia. Defenderia Nelsinho Piquet das acusações da Renault, fazendo as pazes
com o seu pai, o tricampeão Nelson Piquet, de quem se tornaria sócio na empresa
de rastreamento de veículos de Piquet. Depois seria sócio e diretor esportivo
da McLaren, onde contrataria o promissor Felipe Massa, que conquistaria o seu
único título em 2008, após derrotar o companheiro de equipe Lewis Hamilton por
um ponto no GP de Interlagos.
Senna também ficaria
magoado com Massa depois que ele trocou a sua McLaren, no ano seguinte ao
título, pela Ferrari, para ser escudeiro de Fernando Alonso, seu também
desafeto. Para substituir Massa contrataria (para 2010) o sobrinho Bruno Senna,
apesar das críticas de nepotismo que sofreria da mídia.
Com o apoio e as
cobranças de determinação do tio, Bruno seria bicampeão de Fórmula 1. Não pela
McLaren da qual sairia amigavelmente, mas pela Red Bull, alternando as
conquistas com Sebastian Vettel, em duras disputas por toda a temporada.
Detalhe: Bruno Senna e Vettel não seriam inimigos na mesma equipe. Mas também
não seriam tão amigos.
Ayrton, por sua vez,
ainda manteria distância de Prost, Mansell e Schumacher, sem ressentimentos,
mas sem amizades. Entretanto, seria o primeiro a visitar o alemão após o
acidente de esqui que o deixou em coma.
A amizade com Emerson Fittipaldi seria eterna.
Se estivesse vivo, Senna
ainda teria os seus cabelos compridos dos seus últimos anos, mas grisalhos como
as suas sobrancelhas. De vez em quando apareceria com um cavanhaque, mas o
rasparia rapidamente. O rosto estaria marcado por algumas rugas e o corpo um
pouco fora de forma. Culpa da sua responsabilidade de empresário, pai, ex-sócio
da McLaren, presidente da FIA e heptacampeão de Fórmula 1 em 1988, 1990, 1991,
1996, 1997, 1998 e 1999.
* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o
romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a
coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo
Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo
cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por
leitores
Nenhum comentário:
Postar um comentário