As índias do Equador
* Por
Urda Alice Klueger
Estive, em setembro
último, no Equador, de onde só tenho lembranças lindas. Se o paraíso terrestre
ainda existisse, com certeza seria parecido com o Equador.
Estive em Quito, e
viajei pelo Norte do país. Eu diria que Quito tem a população mais parecida com
a do Sul do Brasil que já vi pelas Américas, mas o Norte do Equador, com
certeza, é índio.
Que paixão que são
aquelas meigas e lindas índias, do Equador! Estivera, três anos antes, na
Bolívia, país que, com certeza, se caracteriza pelas suas índias coloridas e
tão diferentes de nós, de acordo com suas etnias e línguas, e ficara com a
impressão de que todas as índias do mundo deviam parecer-se com elas. Que
surpresa, então, ao chegar ao Equador!
Viajei pela região de
Otavala, San Antonio e Ibarra, pátria do artesanato mais lindo do mundo, e
região das índias mais limpinhas, mais cheirosas e mais lindas que se possa
imaginar. Elas usam, no dia a dia, seus trajes típicos: saias pretas até o
tornozelo, blusas brancas muito finas, bordadas com maravilhosa maestria,
engomadas e muito bem passadas; ao pescoço, carregam um peso enorme em ouro:
são dezenas, talvez centenas de correntinhas de bolinhas de ouro que, se
colocadas todas juntas, devem ter uma espessura de uns 5 cm ou mais, curtas
correntinhas que ficam junto do pescoço, e que formam como que um pedestal
para os seus rostos de rara beleza. É claro que, nos dias atuais, aquelas
correntinhas todas não poderiam ser de ouro de verdade - elas, hoje, são compradas
aos magotes, em feiras populares - mas algum dia, no passado rico daquele país,
com certeza as antepassadas daquelas índias lindas devem ter usado o mais
legítimo ouro. Usam, ainda, para completar o traje, umas sandalhinhas do mais
delicado feitio, três finos fios de couro branco se entrelaçando de uma forma
que nunca havia visto.
Para completar o traje
de uma dessas índias, deve haver um bebê às costas. Eles ficam dependurados às
suas mães por uma faixa preta bordada, e são uma graça, com seus olhinhos
negros espiando o mundo.
O mais desconcertante
nesse conjunto de índias e bebês, é a simbiose perfeita como eles vivem.
Fizemos diversas viagens de ônibus com muitas índias cheirosas e limpinhas, e
eu não me cansava de espiar o que acontecia: as índias entram nos ônibus com os
bebês às costas; sentam-se nos ônibus com os bebês as costas, viajam até o
final sem tirar os bebês das costas, e não os machucam. Elas têm um jeitinho
especial de sentar-se sem se encostar, e eu ficava espiando e vendo como os bebês,
quando elas se sentavam, se arrumavam direitinho, os pezinhos dobrados sobre o
banco dos ônibus, numa posição confortável e sem dor. São bebês que nunca
choram, já que estão sempre bem juntinhos das mães nunca precisam ter medo ou
se sentirem abandonados.
A História nos conta
que o último dos grandes Imperadores Incas conquistou o Equador, e que lá,
apaixonou-se perdidamente por uma índia. Os imperadores Incas sempre tiveram
muitos filhos, mas só poderia ser herdeiro do trono o filho mais velho, tido com
a mulher legítima. Isto tinha sido assim desde os primórdios do império, e
sempre tinha funcionado direitinho. O último dos grandes imperadores já tinha o
seu herdeiro legítimo e, teoricamente, a sua sucessão estava resolvida. Foi aí
que entraram as índias do Equador no meio. Foi louca a paixão do Imperador
Inca pela índia de Quito; com ela teve um filho, com o novo filho quis dividir
seu Império, e o fez. Quando ele morreu, os dois filhos passaram a brigar pela
posse total do Império, e estavam os Incas divididos por uma guerra civil
quando os espanhóis chegaram nas suas terras. Povo dividido é povo fraco (isto
serve de reflexão para os separatistas do Sul do Brasil), e os espanhóis
puderam vencer sem mais problemas os guerreiros do grande Império americano.
O Império Inca caiu por
causa de uma índia do Equador. Eu estive lá, e as vi, e entendi. Elas são tão
lindas, tão meigas, tão delicadas, tão cheirosas, que podem virar a cabeça de
qualquer imperador. O Grande Imperador da América do Sul perdeu o tino, a
cabeça e o coração por uma delas, e acabou destruindo o seu Império. Mas basta
a gente olhar para elas para entender.
Blumenau, 11 de janeiro
de 1997.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR
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