Um povo que não sabe perder
* Por
Fernando Yanmar Narciso
É difícil de acreditar
que o complexo de vira-latas, conceito pensado e entalhado a golpes de pedra
lascada por Nelson Rodrigues, continua tão enraizado na mente do brasileiro
comum. Mesmo com todos os avanços que tivemos nos últimos 20 anos, mesmo com a
vida dos pobres e da classe média jamais tendo sido tão boa, ainda há quem
acredite que o Brasil não é capaz de produzir coisa boa, que não merecemos ser
respeitados pelo resto do mundo.
E pouca coisa é capaz
de exemplificar tão bem este sentimento como a famigerada Copa do Mundo de
2014. Ei, amiguinhos, sabiam que o Brasil está sediando uma copa? Nããããããão, ta
falando sério? Uma copa, aquela gringaiada rica e bonita, nesse país
detestável, de onde eu só não fugi porque meu salário não deixa? Larga mão de ser
besta, rapaz, uma coisa dessas não é pro nosso bico! Tinha era que ser num país
com condições para sediá-la, como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, China,
Dubai...
Se quando conquistamos
o direito de sediá-la, o país todo torceu e vibrou, a coisa mudou totalmente de
figura sete anos depois. Essa má vontade com a copa em solo tupiniquim começou
provavelmente há uns dois anos, quando os figurões da FIFA, a múmia do Joseph
Blatter e o estropício do Jérome Valcke, cheios de panca e narizes empinados,
começaram a fazer cobranças aos organizadores do torneio, como naqueles tempos
em que o país devia até as calças ao FMI. Esse é o prazo, agora obedeçam se não
quiserem que tiremos a copa do Brasil! Ui, a audácia da pilombeta!
Assim como a FIFA,
nosso povo começou a duvidar da capacidade do governo de erguer “arenas”
faraônicas, e o que nos revoltou foi saber que tínhamos tanto dinheiro para
construir estádio, mas em compensação em outras áreas continuava tudo aos
pedaços. Que espanto, a gente não tinha ideia que o país era tão rico! Tamanha
arrogância de Valcke e Blatter, aliada à insistência em exigir o tal “padrão
FIFA” e a mais que esperada demora em entregar as obras no prazo atiçou a ira
dos coxinhas recalcados e emergentes do país.
Anyway, estudando
friamente a situação, tanta má vontade e fúria do nosso povo poderiam ter sido
evitadas se nossos patrões “fifenses” tivessem calçado a sandália da humildade
e pedido desculpas ao nosso povo... E assim, brasileiro voltou a se
menosprezar, inclusive grandes celebridades voltaram a depreciar abertamente o
país e seu povo em entrevistas, como Paulo Coelho, Roger Moreira, Lobão, Ney
Matogrosso e nosso embaixador da copa, Ronaldo Morsa.
E a revolta teve seu
ápice na tarde de quinta-feira passada. Antes que me perguntem, admito ter
achado a dança de abertura, mesclando a sensibilidade enlatada estrangeira com
nossas danças típicas, um tanto chocha, artificial e previsível, apesar de ter
sido um balé maravilhoso. Talvez se tivessem colocado Darth Vader, Mickey
Mouse, King Kong e Godzilla jogando uma pelada com o Fuleco, a plateia teria
aplaudido com mais empolgação...
Lá fora do estádio os
Black Blocs e as “puliça” faziam exatamente o que se esperava deles, mas
ninguém podia nos preparar para aquele coro ruidoso de impropérios
impronunciáveis, dirigidos pelos ricos e emergentes que puderam comprar
ingressos, à nossa presidente e ao chefão da FIFA, que sequer tiveram peito
para dar a outra face à tapa. Eu teria posto a boca no mundo mesmo assim e
tentado conquistar a platéia, como se espera que um estadista tenha a
habilidade para fazer. Incrível como a imprensa internacional fingiu que esse
momento histórico, em que o país rejeitou abertamente sua presidência, sequer
existiu!
E na partida de estreia
do Brasil contra a Croácia sobrou pra todo mundo: Detonaram o gol contra do
Marcelo, o pênalti, até o momento, polêmico pedido por Fred, pra acusações mais
que comuns de que o governo comprou o juiz e a copa... Mas bastou a seleção
cantar o hino aos berros- Enfim, aprenderam a letra!- e ganhar o jogo por 3 x 1
para nossa nação repleta de pitbulls reacionários e hidrófobos receberem sua
dose cavalar de antirrábica e quietarem o facho. Quanto mais bravo o touro,
maior o gosto de toureá-lo.
Ainda que exista um ou
outro mau perdedor raivoso se manifestando internet afora e que os vândalos
ainda estejam prometendo pôr o país na chon até o fim do torneio, parece que o
esporte venceu mais uma vez. RUMUAU ÉQUIÇA, BRASIL!
*Escritor e designer
gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
cyberyanmar@gmail.com
Alguns aspectos concordáveis, outros discordáveis, mas em geral, uma análise relativamente ampla. Acredito que a maior revolta do povo foi quanto a termos muito dinheiro e só sabermos disso depois, quando os ricos e superfaturados estádios já estavam construídos. Agora é torcer pelo Brasil.
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