sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Índice


Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Doze anos, cinco meses e um dia de criação.


Leia nesta edição:

Editorial – Acréscimo de satisfações.

Coluna Contrastes e Confrontos – Urariano Mota, crônica, “Lula, o filho do Brasil, mais uma vez”.

Coluna Do real ao surrealEduardo Oliveira Freire, conto, “Redação desclassificada.

Coluna ClássicosJoão Cabral de Mello Neto, poema,O cão sem plumas”.

Coluna Porta AbertaJaime Vaz Brasil, poema,O amor nas mãos de Pandora”.

Coluna Porta Aberta – Jomard Muniz de Britto, poema, “A grande Solydão”.

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PESCA EM ÁGUAS TURVAS

Prosseguindo em minha tentativa de “pesca em águas turvas”, tenho uma nova proposta a fazer às editoras. Diz-se que a internet dá visibilidade a escritores e facilita negócios. É isso o que venho tentando, há algum tempo, conferir. Tenho mais um livro, absolutamente inédito, a oferecer. Seu título é: “Dimensões infinitas”, que reúne 30 ensaios sobre temas dos mais variados e instigantes. Abordo, em linguagem acessível a todos, num estilo coloquial, assuntos tais como as dimensões do universo (tanto do macro quanto do microcosmo), o fenômeno da genialidade, a fragilidade dos atuais aparatos de justiça, o mito da caverna de Platão, a secular busca pelo lendário Eldorado, o surgimento das religiões, as tentativas de previsão do futuro e as indagações dos filósofos de todos os tempos sobre nossa origem, finalidade e destino, entre outros temas. É um livro não somente para ser lido, mas, sobretudo, para ser refletido. Meu desafio continua sendo o mesmo de quando iniciei esta tentativa de “pesca em águas turvas”. Ou seja, é o de motivar alguma editora a publicá-lo, sem que eu precise ir até ela e nem tenha que contar com algum padrinho, mas apenas pela internet, e sem que eu precise bancar a edição (já que não tenho recursos para tal). Insistirei nesta tentativa todos os dias, sem limite de tempo. Para fecharmos negócio, basta que a eventual editora interessada (e espero que alguma se interesse, pois o produto é de qualidade) entre em contato comigo no inbox do Facebook ou pelo e-mail pedrojbk@gmail.com. Quem se habilita?

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CITAÇÃO DO DIA:

Preocupação social 

As questões sociais preocupam muito mais os jovens atualmente do que no meu tempo. Mas entre eles não há somente os que optam por posições liberais. O fato é que há muita gente moça bastante conservadora sob todos os aspectos.

(Padre Robert J. Welch).


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Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Editorial - Acréscimo de satisfações

Acréscimo de satisfações


É um erro muito grande não darmos o devido valor às consideradas “pequenas coisas”, aparentemente triviais, corriqueiras e banais. Já vi muita grande obra se perder porque seu autor não atentou para algum reles “pequeno detalhe”.

Os investigadores concluíram, por exemplo, que a causa principal do casco do Titanic não haver resistido ao choque com um iceberg, em 1912, foi o defeito dos arrebites que prendiam as placas de aço que formavam a sua estrutura. Por causa disso, o transatlântico tido como invulnerável e impossível de naufragar foi a pique, causando a morte de mais de 1.500 pessoas. Como se vê, isso ocorreu por não se dar a importância devida a uma mísera pequena peça, de custo de alguns poucos centavos de libra, que se fosse levada em consideração, evitaria a tragédia e um prejuízo de milhões.

Faço, das coisas triviais que me cercam, matéria-prima das minhas crônicas. Isto é que dá “sabor” a esse gênero, misto literatura e jornalismo. Ou seja, sua aparente pouca importância ou não-importância, como queiram. É dessa desprezada fonte que extraio satisfações simples, porém cotidianas e praticamente inesgotáveis.

Por outro lado, há quem ache que “movimento” e “ação” sejam sinônimos. Não são! Podemos, perfeitamente, nos movimentar, sem agir, e vice-versa. Claro que, na maioria das vezes, movimento e ação andam juntos, mas estão longe de ser a mesma coisa. Às vezes, nos movimentamos sem sair, sequer, do lugar e sem que isso implique em qualquer “atitude”, a não ser mero exercício físico.

Por seu turno, homens brilhantes não raro agem sem fazer um único movimento: criando ideias que tendem a revolucionar o mundo. Quem confunde, portanto, os dois conceitos, corre o risco de achar que está agindo para modificar determinada situação que exija mudança quando, na verdade, não está fazendo nada de útil ou de prático para isso. Está, apenas, desperdiçando tempo e energia, ambos preciosíssimos.

Pergunto ao leitor: seria errado nutrirmos ilusões, como tenho lido por aí? Não, se as preservarmos, se as mantivermos intactas durante toda nossa vida, até o último suspiro. A realidade absoluta, nua e crua, é por demais feroz. Não há um único ser humano que a resista integralmente. Reitero o que já escrevi “n” vezes: É como a luz do sol. Se olharmos, fixamente, por cerca de um minuto ou menos, diretamente para a estrela que nos ilumina e dá vida, certamente ficaremos cegos. Sua luz é intensa demais para nossa retina.

São as ilusões que impulsionam as pessoas e as levam a trabalhar, de sol a sol, não raro em condições adversas, na doce certeza de que dias melhores virão. E mesmo que tardem a chegar, ou que não cheguem nunca, nos mantém ativos e confiantes, certos de que, se o tão sonhado sucesso ainda não chegou, não tardará a chegar. Não há quem não se iluda alguma vez com pessoas ou coisas.

Sonhar alto e lutar pela concretização dos sonhos é sempre compensador, mesmo que não consigamos concretizar o que sonhamos. Equivocam-se os que nutrem sentimentos de frustração e de amargura face a eventuais fracassos. Quem tenta nunca fracassa. Só o omisso, o covarde e o descrente são verdadeiros fracassados.

A quem tenta, por exemplo, sempre restará alguma experiência positiva, alguma melhoria, mesmo que apenas espiritual, dessa tentativa. É assim que se constroem vidas exemplares, algumas das quais se configuram em maiúsculas obras de arte. Às vezes, das cinzas de um sonho não-realizado nasce uma árvore frondosa de outros, muito maiores, que se concretizam.

Voltando às trivialidades, constatei que sons e imagens são despertadores, por excelência, da memória. Costumam nos trazer excelentes recordações, de paisagens, lugares, situações e, principalmente, pessoas que nos são (ou foram) caras e das quais as circunstâncias nos separaram.

Estas lembranças são preciosas, é verdade, mas não devemos nos apegar só a elas. Elas devem, isto sim, ser fontes de “acréscimo” de satisfações. Não podemos parar no tempo e viver do passado, que só é possível retornar na memória. A atitude mais sábia é renovar as experiências no presente e fazer dele fonte inesgotável de afetos e alegrias.

A memória deve nos servir, apenas, de subsídio, de acréscimo, nunca de muleta afetiva. Fernando Pessoa inicia assim seu belíssimo poema “Souvenir”:

Como é doce e triste por vezes ouvir
algum som antigo trazido à memória
e ver, como em sonhos, algum rosto querido,
trecho de paisagem, campo, rio ou vale,
lembrança tão breve, triste e agradável,
algo que recorde o tempo bom da infância”.

Se a vida nos confronta com decepções, fracassos e dores, coloca, igualmente, ao nosso alcance, inúmeras pequenas satisfações, como frutos maduros de uma árvore. Os melhores, é verdade, estão no topo e nos exigem um esforço maior para alcançar. Contudo, a maior quantidade se encontra nos galhos baixos, bem ao alcance das nossas mãos. Basta que as estendamos e colhamos o máximo de satisfações, o tanto que desejarmos e ousarmos colher. A vida não se realiza nas grandes coisas, mas na soma de pequenos detalhes, aos quais devemos sempre estar atentos.


Boa leitura!

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Lula, o filho do Brasil, mais uma vez - Urariano Mota


Lula, o filho do Brasil, mais uma vez


* Por Urariano Mota


Ontem, quando pensei em escrever esta coluna, lembrei do filme “Lula, o filho do Brasil”. A lembrança veio a propósito do que passamos hoje com a prisão do maior presidente brasileiro.


Lembro que a maioria viu o filme com algumas ideias preconcebidas, porque nunca na história falaram tão mal de uma obra do cinema. Nos jornais, na televisão, nas revistas, antes da estreia se anunciava o filme como propaganda eleitoral, que não passava de vigarice, de uso desonesto da máquina pública do então presidente Lula. Depois, nos jornais, o filme mudou para a categoria de obra medíocre, indigna de ser vista. Nos textos e chamadas veio enfim a mensagem que não era mais subliminar, era explícita: ‘Grande público, corra desse filme’. Pois sim.

Já no começo da projeção, houve um choque no peito, que tomava conta da gente, enquanto via as cenas: terra seca, brasileiros partindo de pau de arara rumo a uma tentativa de vida melhor. Mas com a diferença, e daí vinha o maior choque, de saber que um desses brasileiros partiu da carência de tudo para se tornar o presidente mais popular do mundo. Era como se fosse uma fábula real. Melhor: era uma fábula verdadeira, um Andersen de final feliz, o patinho menos que feio que se transformava em muito mais que um cisne. Mas então a gente pigarreava, espantava a emoção, e caía em outras imagens comoventes. Por exemplo, as ideias dos pobres na crença do valor do trabalho. Em um tempo de tanta sacanagem, como eram e são bem-vindas essas lições/ideias. Havia uma cena irresistível, quando o Lula adolescente suja com óleo o macacão limpo para se exibir à vizinhança e à mãe. Ele queria dizer: “Eu sou um trabalhador, mãe. Eu agora sou gente”. Ela sorria. E vinha crescendo com Lula, a partir daí, até ser ultrapassada pela vida do rebento, a pessoa dessa mãe. Ela, ali como aqui, ali como em todo lugar, era uma fundadora de personalidade. No entanto, não existia apelação, apelo sentimental, sentimentalismo em “Lula, o filho do Brasil”. Os olhos mais impiedosos, frios e críticos já haviam observado que o filme não possuía ritmo ou tensão dramática. Ou seja, nele não havia um conflito básico, ou conflitos cruciais desenvolvidos à emoção veloz e com paciência multiplicados. Nem mesmo, o que seria a propaganda pura, dentro da “gloriosa” tradição de Hollywood: o herói sozinho contra o resto do mundo, o self-made-man típico, que se fez sozinho. É inesquecível a cena do discurso no estádio, quando um megafone coletivo é construído pela multidão de sindicalistas, que gritam em sucessivas ondas o discurso de Lula.

(Tão presente, tão agora)

No filme não havia tampouco o cara de moral incorruptível. Pelo contrário, em mais de uma oportunidade vemos a sobrevivência esperta a favor do humano. Assim, um filho engana o pai analfabeto e escreve o contrário da vontade do pai, quando escreve à mãe que venha para São Paulo. (“Venha para não morrer”, sabemos.) Ou quando Lula, um secretário do sindicato, usa de toda a argúcia para ganhar o coração da mulher por quem estava apaixonado. (Dona Marisa, a brava companheira de jornada que seria para toda a vida) A verdade é que em mais de uma ocasião a gente via o personagem Lula transbordar das imagens, porque sabíamos algo da sua história e importância. Então sentimos, percebemos o personagem ir além das margens extremas da tela no cinema. Isso não se dava só pela duração do filme, pela quantidade de anos de vida selecionados – isso se fazia pelos momentos essenciais que ficavam ocultos. As coisas mais cruas e duras omitidas. Por exemplo, quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado, pra saber o sabor que o chiclete tinha. Por exemplo, quando bebeu da água que até os animais rejeitavam. Ou a intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto, como tantos pobres do Brasil já viram, e jamais conhecem a sua dor expressa. (Eu tentei, em “O filho renegado de Deus”)

Sempre é horrível o esquemático, o corte de qualquer filme na construção de um personagem. Os recursos com que a literatura conta não sobrevivem na cirurgia da montagem. Pior, a escolha no cinema nem sempre é a mais sensível: onde cortar, onde avultar, onde crescer. Lula, o personagem, sabíamos todos, e sabemos com mais certeza hoje, é maior que o PT, é bem maior que o sindicalismo, porque ele vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos muitos severinos, joões, marias e lindus. No fim do filme, na imagem imóvel da posse presidencial, ouvimos Luiz Gonzaga. Então nos levantávamos da cadeira, muito contra a vontade, com um pensamento: toda a luta, a luta toda valeu à pena. “Só trazia a coragem e a cara, viajando num pau-de-arara”, ouvimos. E concluíamos, em silêncio, ao sair do cinema: eu penei, mas aqui cheguei.

Assim foi em 2010. Mas a história da gente nunca está no fim, ou nunca chega ao fim como o esperado, porque há sempre um acidente que vem fora do script. Como podíamos ver, vir, antever o presidente mais popular do Brasil na cadeia? Como podíamos esperar que contra o maior líder do mundo se levantassem as vozes unidas do judiciário, da mídia e da representação mais corrupta do congresso? Como podíamos saber que os fascistas estavam chocando seus ovos de serpente e agora saem às ruas desbocados, despudorados, bestializados, como nunca deixaram de ser? Antes, eles estavam em silêncio, mas agora falam. Os animais falam no Brasil, como profetizou o Barão de Itararé. Pior, agem vestidos de juízes, ministros e comentaristas na grande mídia do capital.

A história faz uma atualização de um modo que não podíamos crer. Lula está preso. Mas antes no cinema, como agora além da tela, sabemos que a luta toda vale a pena. Este mal há de passar, como em outras vezes já passamos. Ou como tão bem expressou Graciliano Ramos, em Vidas Secas:
“- Tenho comido toicinho com mais cabelo, declarou Fabiano desafiando o céu, os espinhos e os urubus.
Não é? Murmurou Sinhá Vitoria sem perguntar, apenas confirmando o que ele dizia.
Pouco a pouco uma vida nova, ainda confusa, se foi esboçando”.

Já comemos toucinho com mais cabelo. Contra o céu da reação, os espinhos desta hora e os urubus togados, pouco a pouco uma vida nova há de se esboçar.


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus”, “Dicionário amoroso de Recife” e “A mais longa juventude”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros
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Redação desclassificada - Eduardo Oliveira Freire


Redação desclassificada


* Por Eduardo Oliveira Freire


"Olá! Quem são vocês da banca, que avaliarão minha redação? Sempre tive curiosidade de saber se são pessoas comuns, que vivem loucas paixões, ou possuem segredos cabeludos?

Já fizeram barraco e assassinaram alguém? Fujo do tema, devo estar louco ou bem sóbrio dependendo do ponto de vista. Na verdade, estou de saco cheio de ser avaliado. Não quero mostrar a ninguém do que sou capaz.

Será que os avaliadores da banca são melhores do que eu? Por quê? Quem decretou isso? O sistema? Uma coisa é certa, não são os gatos pingados que dominam o mundo. Eles estão por de trás de tudo, manipulando nossas vidas como se fossemos marionetes.

Bem... Serei eliminado ao lerem essa droga aqui e não entrarei no paraíso, que deve parecer um hotel resort. Enfim, chega! Isso tudo é bastante entediante.

Quero ir à praia e observar o mar, chupando picolé.  Com certeza, será muito mais proveitoso a ficar aqui, mofando. Adeus queridos, fui e não voltarei. Aqui, não é meu lugar".


* Formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Pós-Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor.


O cão sem plumas - João Cabral de Mello Neto


O cão sem plumas


* Por João Cabral de Mello Neto


A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.

* Foi um poeta e diplomata.

O amor nas mãos de Pandora - Jaime Vaz Brasil


O amor nas mãos de Pandora


* Por Jaime Vaz Brasil


E se nas mãos de Pandora
dormissem os conteúdos
 
que da caixa se soltaram
e nos prenderam a tudo
 
tudo o que possa ser visto,
sentido ou imaginado
 
na cor dos males do mundo,
na corrente dos pecados?
 
O que será de todos
nós, pecadores, agora
 
e na hora da colheita
das flores do ir embora
 
se no colo de outra virgem
nascesse um novo messias
 
pregando em nome do Pai
perversões e rebeldias
 
e que do céu derramasse
um girassol, um sinal
 
e nos fizesse viver
sem ter juízo, afinal?
 
O que seria de todos
nós, livres de culpa e dolo,
 
sem confissões nem martírios,
seitas, ritos e consolos?
 
No coração dos humanos
eu, em verdade, vos digo
 
só um problema haveria,
qual um suspenso castigo:
 
se o próprio Deus nos mandasse
alguém falar em seu nome
 
autorizando o pecado,
o amor morria de fome.
O amor em pouso de ave
 
Eis que eu te queria plena,
mas não com ares de entrega.
 
(Antes , o olho invasivo
da paixão aguda e cega.)
 
Eis que eu te queria inteira
mas não assim, repentina.
 
(Antes, o corpo que aos poucos
é entregue a quem se destina.)
 
Eu te queria fechada
sem janelas e postigo.
 
(Mas chave pronta em segredo
ao que não penso ou não digo.)
 
Eu te queria nos ventos
só por ver-te, me consolo.
 
Tu, o meu pássaro doido.
Eu, tua sombra no solo.
 
Eis que eu queria calma
mas não constante ou tão quieta.
 
(Antes, o denso imprevisto
de uma tela incompleta.)
 
Eis que eu te queria louca
mas não assim, em conflito.
 
(Antes, linha que me solta
preso ao timbre do teu grito.)
 
Eu não queria um amor
de sangue em vidro partido.
 
(Mas alma em pouso de ave
ao colo dos meus sentidos.)
 
Eu aprendi que o teu nome
me liberta e me vigia.
 
Por isso te quero minha.
Para sempre. Ou por um dia.



* Poeta gaúcho

A grande Solydão - Jomard Muniz de Britto


A grande Solydão*



** Por Jomard Muniz de Britto


Não a decantada pelo mago Rilke
de amores e anjos terríveis.
Nem o sol da mais sólida soledade
nas tropicais miscigenações.
No solar de mangueiras, licores de pitanga.
Tantas comendas, quantas ingratidões?
Desabafo na cidade sitiada
em trópico de pernambucâncer:
Meus filhos, volúpia genética,
sem os lances de minha genialidade.
- Discípulos? – talvez por ventura intelectuários.
- Dissidentes – desaforadamente sectários.
(Salve-se a vaidade de um ex-Príncipe da
Sociologia.)
- Madá,ô Madá, ô Magdalena Magdeleine!
Larga este tricô e vem me abrasar... 
Coço as virilhas da poesia em pânico:
- Vem, ó menino da rua, menino senzalado,
desejado.
Fui eu quem inventou a morenidade
de teus suores e músculos e apetites.
Durmo sonhando com a eternidade de meu Y.
 
*Ao centenário de Gilberto Freyre




** Poeta, cineasta, professor e escritor pernambucano.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Índice


Literário: Um blog que pensa


(Espaço dedicado ao Jornalismo Literário e à Literatura)


LINHA DO TEMPO: Doze anos e cinco meses de criação.


Leia nesta edição:


Editorial – Simulação da vida.

Coluna Ladeira de Memória – Pedro J. Bondaczuk, artigo, “Vaidade e corrupção”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica humorística Link”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto, “O melhor funcionário.

Coluna Porta AbertaIeda de Abreu, poema, “Ideário (I)”.

Coluna Porta AbertaIvaldo Roland, poema, “A dor ou a loucura”.


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PESCA EM ÁGUAS TURVAS

Prosseguindo em minha tentativa de “pesca em águas turvas”, tenho uma nova proposta a fazer às editoras. Diz-se que a internet dá visibilidade a escritores e facilita negócios. É isso o que venho tentando, há algum tempo, conferir. Tenho mais um livro, absolutamente inédito, a oferecer. Seu título é: “Dimensões infinitas”, que reúne 30 ensaios sobre temas dos mais variados e instigantes. Abordo, em linguagem acessível a todos, num estilo coloquial, assuntos tais como as dimensões do universo (tanto do macro quanto do microcosmo), o fenômeno da genialidade, a fragilidade dos atuais aparatos de justiça, o mito da caverna de Platão, a secular busca pelo lendário Eldorado, o surgimento das religiões, as tentativas de previsão do futuro e as indagações dos filósofos de todos os tempos sobre nossa origem, finalidade e destino, entre outros temas. É um livro não somente para ser lido, mas, sobretudo, para ser refletido. Meu desafio continua sendo o mesmo de quando iniciei esta tentativa de “pesca em águas turvas”. Ou seja, é o de motivar alguma editora a publicá-lo, sem que eu precise ir até ela e nem tenha que contar com algum padrinho, mas apenas pela internet, e sem que eu precise bancar a edição (já que não tenho recursos para tal). Insistirei nesta tentativa todos os dias, sem limite de tempo. Para fecharmos negócio, basta que a eventual editora interessada (e espero que alguma se interesse, pois o produto é de qualidade) entre em contato comigo no inbox do Facebook ou pelo e-mail pedrojbk@gmail.com. Quem se habilita?

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CITAÇÃO DO DIA:

Todos somos planejadores 

O termo planejamento deve sua popularidade, em grande parte, ao fato de que todos desejam, naturalmente, que tratemos de nossos problemas comuns tão racionalmente quanto possível, utilizando o máximo de visão de que somos capazes. Nesse sentido, todo aquele que não é um fatalista total é um planejador, todo ato político é (ou deveria ser) um ato de planejamento, e só podem existir diferenças entre planejamento bom e mau, entre planejamento sábio e previdente, ou louco e cego.

(Friedrich Von Hayek, Visão, 8 de março de 1976).


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Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Editorial - Simulação da vida



Simulação da vida 


Os sonhos são uma espécie de simulação de uma vida paralela à real, que nunca existiu no plano concreto, feita pelo nosso cérebro, às vezes com requintes de extraordinário realismo. Dizem os especialistas que uma pessoa normal sonha durante várias horas em todas as noites. Nós é que não nos lembramos da grande maioria. Não posso garantir que seja assim. Um ou outro, apenas – em geral os que temos nos segundos que antecedem o despertar – é que ficam na memória, difusos, sem detalhes, sem nuances, como uma coisa muito vaga. E mesmo estes acabam sendo esquecidos para sempre horas depois que levantamos, pois não pensamos mais neles. Alguns, raríssimos, talvez na proporção de um em um milhão ou mais, nos impressionam de tal forma, que jamais os esquecemos. Basta que fechemos os olhos para que os rememoremos, e na íntegra, como um filme gravado em vídeo.

Lembro-me, por exemplo, nitidamente de um sonho que tive há cerca de vinte anos, envolvendo um lugar belíssimo, onde nunca estive, e sequer sei se existe. Tratava-se de uma colina, onde havia um bosque com árvores de porte médio e flores, muitas flores. Lembro-me até mesmo do cheiro das plantas, de um perfume delicioso. De onde eu estava, via-se, a uns cinquenta metros abaixo, em um vale, um caudaloso rio, de águas bastante límpidas, cujas margens continham pinheiros, por onde navegava um desses barcos parecidos com os que levam turistas para cima e para baixo através do Mississipi, nos Estados Unidos. No sonho, eu estava bastante feliz (e não era para menos), numa espécie de festa ao ar livre, ao lado de uma mulher de extraordinária beleza e rara doçura, que não tinha as feições de ninguém que conheci.

Onde meu subconsciente foi buscar a matéria-prima para a elaboração desse enredo, com tantos detalhes? Aliás, apesar de haver um número muito grande de estudos a respeito, tudo o que se refere aos sonhos está cercado de especulação e crendices. Há os que juram que eles são sempre premonitórios, avisos cifrados, alertas que captamos subconscientemente e que, se formos capazes de decifrar, nos preveniremos contra algum perigo futuro ou ficaremos atentos para aproveitar alguma feliz oportunidade. Outros afirmam que não passam de projeções de desejos reprimidos, de uma espécie de válvulas de escape das nossas frustrações. Outros, ainda, asseguram que são somente divagações, fantasias, "estripulias", molecagens do cérebro, que permaneceria ativo enquanto o restante do organismo repousa. Quem estaria certo? Todos? Ninguém?

Conclui-se que ninguém sabe, com certeza, o que está dizendo ao se referir a esse assunto. De qualquer forma, os especialistas garantem que os sonhos são de fundamental importância para a saúde física e mental das pessoas. Nisso estão com a razão. O interessante, no meu caso, é que todos são em branco e preto. Não distingo as cores. Mas gosto de sonhar. E mais ainda, de lembrar do que sonhei, mesmo quando se trate de pesadelo. O dia seguinte parece que se torna mais "leve", menos opressivo, menos assustador. Esse exercício de projeção do cérebro no que eu chamaria de "transrealidade" se presta, como seria de se esperar, à exploração dos poetas. O galês Dylan Thomas, por exemplo, diz a respeito: "Nossos sonhos de eunuco, infecundos sob a luz...enfeitam as negras noivas, as viúvas da noite".

Já Guilherme de Almeida escreve, em "Acalanto":

"Dorme.
Sobre o teu sono há um pensamento
vindo na asa de fuga do momento.

Mandaste o olhar para não sei que exílios:
nem o peso da luz pesa em teus cílios.

O ponteiro parou contra o quadrante
seu dedo de silêncio vigilante.

Dorme! Há outros sonos estirados pelas
sombras, no acampamento das estrelas.

Dorme a noite da flor! Sonha a meu lado,
rosa dormida à beira de um pecado".

Que os sonhos sirvam de tema para poesias, é compreensível, já que são, em si, uma metáfora. Mas compará-los a um poema é heresia. Essa pintura de um quadro, essa projeção de uma visão, essa reprodução de um desejo, esse registro de um estado emocional feitos apenas com palavras, são atos, sobretudo, inteligentes. Mais do que isso: sublimes. Para praticá-los é necessário contar com um talento, com um dom, com uma aptidão divina, ao contrário das divagações de um cérebro sem o controle do consciente. Nesse aspecto, estou com Fernando Pessoa, que afirma: "Não pondero sonhos; não me sinto inspirado: deliro". A poesia é isso: delírio. E os sonhos? Mistério!


Boa leitura!

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk