Onde o dinheiro fala
mais alto
O futebol é uma das
atividades não produtivas, das que, teoricamente não têm fins lucrativos. que
movimentam maiores somas de recursos (euros, libras, dólares, reais etc.), em algumas
partes do mundo (não todas, é verdade) na atualidade. Se (ou quando) bem
administrado, constitui-se em excelente negócio, embora sua finalidade não seja
essa. Afinal, é um esporte. Na verdade, é um jogo (e que jogo!). O que menos
conta no volume de dinheiro envolvido no futebol é a arrecadação de ingressos
nos estádios, embora, claro, ela tenha lá sua relevância. Sobretudo para as
entidades futebolísticas que conseguem atrair multidões e lotar estádios pelo
menos na maior parte das temporadas. As fontes principais de receita são os
patrocínios, as ações de marketing (como venda de camisas e outros símbolos dos
clubes) e as negociações de jogadores.
O futebol é, também,
uma das atividades mais mal administradas das tantas que existem. Salvo
exceções, a maioria dos clubes é gerida por pessoas despreparadas, fanáticas
até, guiadas por pura paixão, em detrimento da razão. Jogadores e técnicos dos
clubes de ponta – não necessariamente os mais ricos, mas os de maior apelo
popular – ganham mirabolantes fortunas. Não são raros, porém, os casos em que
os valores pactuados em contrato deixam de ser pagos e em que a pendência vai
parar na Justiça. Não sei se isso ocorre na Europa (presumo que sim), mas no
Brasil é prática para lá de comum. Basta ver a quantidade de ações trabalhistas
em nossos tribunais, que ascendem, sem exagero, às centenas de milhar. Em
diversos casos, essas dívidas superam, em muito, todo o patrimônio do clube.
Volta e meia, até estádios são penhorados, mas raros são levados a leilão, ou
executados, por falta de interessados.
Muitas dessas
entidades, dada a má administração, acumulam dívidas estratosféricas, e não
apenas de caráter trabalhista, mas também fiscais e de outras naturezas,
praticamente impossíveis de serem saldadas. Há clubes riquíssimos, como
Manchester United, Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique, cujos orçamentos
anuais superam os de muitas cidades até de grande porte. De uns tempos para cá,
várias dessas entidades passaram a ser propriedade de milionários, que têm
nelas mero “brinquedinho” para se divertirem. A maioria deles provém do mundo
árabe ou do Leste europeu, da extinta União Soviética, que subitamente
enriqueceram, não se sabe como. Há fortes suspeitas de que estes investimentos
que fazem no futebol sejam imensa “lavanderia” para “lavar” dinheiro sujo e
torná-lo legal.
O assunto é tão amplo
que, para esmiuçá-lo razoavelmente, seria necessário escrever um livro,
daqueles de centenas de páginas ou, quem sabe, de três a quatro volumes. Os
clubes ricos, porém – nem mesmo é necessário destacar – são minoria. Põe minoria
nisso! A imensa maioria sobrevive só Deus sabe como. Essa diferença de recursos
determina o sucesso ou o fracasso nas várias competições que são organizadas.
São raríssimos os casos em que os chamados “pequenos”, como o Ituano, por
exemplo, conquistam algum campeonato, mesmo que de importância secundária, como
um regional, no caso o Paulista, como a equipe de Itu conquistou em 2014. A
tônica é a prevalência dos clubes ricos, no Brasil e em qualquer outra parte do
mundo.
Salários milionários de
jogadores e de técnicos, ressalte-se, são raridade. A realidade, pelo menos a
brasileira, é a de atletas recebendo um salário mínimo ou até menos, e em 90%
dos casos. E isso, quando recebem. E quando recebem, em alguns casos, é só por
três ou quatro meses anualmente, dados calendários horríveis e mal planejados,
que mantêm os clubes pequenos parados em torno de dois terços dos anos. Além do
que, não lhes é dada a menor chance de ascensão técnica. Sempre que revelam
algum jogador de dotes excepcionais, incontinenti algum clube rico vem, paga a
multa contratual desse atleta e o leva para seu grupo. Muitas vezes essa
revelação sequer é utilizada, sendo mantida por anos na reserva. Mas
enfraquecem as equipes menores.
O torcedor comum – eu,
você, Fulano, Beltrano ou Sicrano – tem olhos, somente, para jogadores “top de
linha” e sequer estranha a fortuna que lhes é paga. Chegamos a raciocinar abrindo
mão completamente da lógica. Não é raro, por exemplo, o apaixonado por
determinado clube se rebelar contra a respectiva diretoria se ela (em caso
raro) não renova o contrato de determinado atleta ou treinador, porque este
pediu salário de R$ 300 mil e ela se dispôs a pagar, “somente”, R$ 200 mil. Mas
como?! Duzentos mil mensais é pouco?! Quantos professores ganham isso por ano?!!!
A pergunta soa até como brincadeira, tão absurda que é. A maioria precisa
trabalhar cinco anos ou mais para ganhar o que um jogador “médio” (e não me
refiro a nenhum Lionel Messi, ou Cristiano Ronaldo, ou Neymar Junior) ganha em
reles trinta dias! Aliás, pouquíssimos profissionais, das atividades mais
nobres e necessárias (médicos, engenheiros, pesquisadores, jornalistas,
escritores etc.etc.etc.) ganha algo sequer parecido, e anualmente. Imaginem por
mês! No entanto... Estamos tão acostumados com esta aberração, com esta surreal
inversão de valores, que a consideramos “normal”.
O assunto é muito amplo
e pretendo, se não esgotá-lo, pelo menos me aprofundar um pouco mais nele.
Isso, oportunamente. Por enquanto, creio que trouxe à tona pelo menos a
pontinha desse gigantesco iceberg. Concluo que, até nisso, o futebol simula a
duríssima realidade do mundo, com seus brutais desníveis e absurdas injustiças,
em que o fator “ter” é infinitamente mais valorizado do que o “ser” e em que dois
terços da humanidade sacrificam suas vidas e imolam seus sonhos para que o um
terço restante se regale com o fruto do seu trabalho e o desperdice, sem noção,
sem dó e nem piedade, sem nem mesmo sentirem a mais remota “dor de consciência”.
Boa leitura.
O Editor
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É uma amostra do que acontece em quase todos os setores de atividades remuneradas. Os desníveis são gritantes em todos eles, mas entre os futebolistas é bem maior.
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