Aberrações que ainda somos
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Quais são os
ingredientes indispensáveis para se tornar um brasileiro legítimo, patriota até
a medula? Não falo desses que se enrolam na bandeira do país e dizem “sou
brasileiro com muito orgulho, com muito amor” só quando ganhamos uma Copa do
Mundo ou quando saem pra tocar fogo em busão. Falo dos que comem, bebem, dormem
e respiram o Brasil. Eis as cinco pedras fundamentais que não apenas eu, mas
muitos consideram ser o Monte Rushmore da brasilidade: Ignorância, malandragem,
cinismo, passividade e pobreza.
Para começo de
conversa, se você não sabe cantar e/ou não sabe o que significa a letra do hino
nacional, então meus parabéns, você é um brasileiro nato! Eu mesmo não sei! O
dicionário foi apelidado por aqui de “pai dos burros”, mas deve ser o tipo de
pai desnaturado, que abusa sexualmente dos filhos pequenos e fica fadado ao
desprezo quando eles envelhecem. Em que outro país as pessoas sentem-se meio
que ofendidas quando tentamos lhes ensinar alguma coisa? “Ocê acha qui eu num sei
disso?” Só mesmo no Brasil falar errado pode ser considerado um “traço
cultural”.
O Brasil talvez tenha a
maior densidade demográfica de espertalhões do mundo. “O importante é levar
vantagem em tudo, não?”, já dizia o tricampeão Gérson. Quem somos nós para
cobrar mais ética e honestidade de nossos políticos? Afinal vivemos agindo do
mesmo jeito que eles! Quem passa debaixo da roleta, fura fila, usa talão
vencido de estacionamento, rouba no truco ou vota em qualquer um, só por
obrigação, não merece bons mandantes. A falta de caráter acabou se tornando
nossa principal característica, sendo socialmente aceito e incentivado por
quase todos.
Se você é brasileiro,
diga as coisas sempre da boca pra fora. Diga que morre de nojo dos ricos, mas
não deixe de fazer sua fezinha na mega-sena para ver se deixa de ser pobre.
Diga para os filhos usarem camisinha, mesmo tendo transado sem ela para que
eles nascessem. Reclame da falta de educação das pessoas, de preferência
xingando todo mundo. Reclame que as mulheres não são respeitadas, mas não deixe
de comprar aquela minissaia ultrajusta. Minta descaradamente para o mundo e
para si mesmo e não deixe de fazer diariamente suas orações, pra ver se pelo
menos a alma se salva.
Podemos até nos sentir
enervados por toda a sujeira e o mau-caratismo que nos cerca, mas geralmente
não estamos nem aí. É cada um no seu quadrado, os políticos com a bandalheira
deles, nós com a nossa vidinha besta. Não importa o quanto nos sintamos
sacaneados todo dia, basta sacar o smartphone ou o tablet e expurgar todas as
frustrações através do Facebook, da novela das 9, do futebol de quarta-feira e
do BBB. Qualquer um que tente se desligar desse mundo de sonhos e falar algumas
verdades logo recebe um “Cala a boca, seu chato!”. De problemas, já me bastam
os meus!
O falecido José Alencar
dizia que nosso maior defeito é gostarmos de ser pobres. Nosso complexo de
vira-lata teima em não nos abandonar. O brasileiro de verdade, ao menos na
aparência, tem de brincar de São Francisco, ser humilde com orgulho e praticamente
se forçar a fazer um voto de pobreza. Sempre nos sentimos meio que vingados
quando alguma celebridade rica e famosa é assaltada ou sequestrada, pois “eles
já têm privilégios demais”. Seja do povo e seja recebido de braços abertos! Não
enriqueça jamais, pois o dinheiro é coisa do demônio. Deve ser por isso que
Edir Macedo e os demais pastores têm tanto dinheiro, para livrar-nos do mal...
Por mais que o país tenha mudado, e agora estejamos conquistando nosso
“merecido” respeito do resto do mundo, ainda somos a bucha de canhão mais
inculta, sem- vergonha, contraditória, indiferente e pé-sujo do planeta.
Pronto. Agora que eu
falei tudo o que os reaças paranoicos e esquerdopatas costumam dizer a nosso
respeito, deixem-me mandar a real a vocês, independente de suas posições
políticas. Ninguém é uma coisa só. Como dizem, toda generalização é burra.
Concordo que um bom filão de nosso povo possua essas características, o que no
ponto de vista de alguns ditos intelectuais conservadores talvez qualifique os
brasileiros como “câncer da humanidade.
Mas essas questões não
são irreversíveis. Todos podem mudar, exceto talvez pelos que adoram apontar o
dedo e esfregar na cara do mundo como nós não prestamos... Lembrem-se disso
antes de sair por aí fazendo baderna e envergonhando o país durante a Copa. Cada
país participante do torneio tem sua sorte de vergonhas e desmandos, mas isso
não é pretexto para transformar seus jogos em palanque. A humanidade,
pertencendo ou não ao Brasil, não presta e nunca prestará, mas isso não quer
dizer que não possa ser aprimorada.
*Escritor e designer gráfico. Contatos:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
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cyberyanmar@gmail.com
Copa, sempre ela. Estamos impregnados.
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