sexta-feira, 6 de junho de 2014

Aberrações que ainda somos

* Por Fernando Yanmar Narciso

Quais são os ingredientes indispensáveis para se tornar um brasileiro legítimo, patriota até a medula? Não falo desses que se enrolam na bandeira do país e dizem “sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” só quando ganhamos uma Copa do Mundo ou quando saem pra tocar fogo em busão. Falo dos que comem, bebem, dormem e respiram o Brasil. Eis as cinco pedras fundamentais que não apenas eu, mas muitos consideram ser o Monte Rushmore da brasilidade: Ignorância, malandragem, cinismo, passividade e pobreza.

Para começo de conversa, se você não sabe cantar e/ou não sabe o que significa a letra do hino nacional, então meus parabéns, você é um brasileiro nato! Eu mesmo não sei! O dicionário foi apelidado por aqui de “pai dos burros”, mas deve ser o tipo de pai desnaturado, que abusa sexualmente dos filhos pequenos e fica fadado ao desprezo quando eles envelhecem. Em que outro país as pessoas sentem-se meio que ofendidas quando tentamos lhes ensinar alguma coisa? “Ocê acha qui eu num sei disso?” Só mesmo no Brasil falar errado pode ser considerado um “traço cultural”.

O Brasil talvez tenha a maior densidade demográfica de espertalhões do mundo. “O importante é levar vantagem em tudo, não?”, já dizia o tricampeão Gérson. Quem somos nós para cobrar mais ética e honestidade de nossos políticos? Afinal vivemos agindo do mesmo jeito que eles! Quem passa debaixo da roleta, fura fila, usa talão vencido de estacionamento, rouba no truco ou vota em qualquer um, só por obrigação, não merece bons mandantes. A falta de caráter acabou se tornando nossa principal característica, sendo socialmente aceito e incentivado por quase todos.

Se você é brasileiro, diga as coisas sempre da boca pra fora. Diga que morre de nojo dos ricos, mas não deixe de fazer sua fezinha na mega-sena para ver se deixa de ser pobre. Diga para os filhos usarem camisinha, mesmo tendo transado sem ela para que eles nascessem. Reclame da falta de educação das pessoas, de preferência xingando todo mundo. Reclame que as mulheres não são respeitadas, mas não deixe de comprar aquela minissaia ultrajusta. Minta descaradamente para o mundo e para si mesmo e não deixe de fazer diariamente suas orações, pra ver se pelo menos a alma se salva.

Podemos até nos sentir enervados por toda a sujeira e o mau-caratismo que nos cerca, mas geralmente não estamos nem aí. É cada um no seu quadrado, os políticos com a bandalheira deles, nós com a nossa vidinha besta. Não importa o quanto nos sintamos sacaneados todo dia, basta sacar o smartphone ou o tablet e expurgar todas as frustrações através do Facebook, da novela das 9, do futebol de quarta-feira e do BBB. Qualquer um que tente se desligar desse mundo de sonhos e falar algumas verdades logo recebe um “Cala a boca, seu chato!”. De problemas, já me bastam os meus!

O falecido José Alencar dizia que nosso maior defeito é gostarmos de ser pobres. Nosso complexo de vira-lata teima em não nos abandonar. O brasileiro de verdade, ao menos na aparência, tem de brincar de São Francisco, ser humilde com orgulho e praticamente se forçar a fazer um voto de pobreza. Sempre nos sentimos meio que vingados quando alguma celebridade rica e famosa é assaltada ou sequestrada, pois “eles já têm privilégios demais”. Seja do povo e seja recebido de braços abertos! Não enriqueça jamais, pois o dinheiro é coisa do demônio. Deve ser por isso que Edir Macedo e os demais pastores têm tanto dinheiro, para livrar-nos do mal... Por mais que o país tenha mudado, e agora estejamos conquistando nosso “merecido” respeito do resto do mundo, ainda somos a bucha de canhão mais inculta, sem- vergonha, contraditória, indiferente e pé-sujo do planeta.

Pronto. Agora que eu falei tudo o que os reaças paranoicos e esquerdopatas costumam dizer a nosso respeito, deixem-me mandar a real a vocês, independente de suas posições políticas. Ninguém é uma coisa só. Como dizem, toda generalização é burra. Concordo que um bom filão de nosso povo possua essas características, o que no ponto de vista de alguns ditos intelectuais conservadores talvez qualifique os brasileiros como “câncer da humanidade.

Mas essas questões não são irreversíveis. Todos podem mudar, exceto talvez pelos que adoram apontar o dedo e esfregar na cara do mundo como nós não prestamos... Lembrem-se disso antes de sair por aí fazendo baderna e envergonhando o país durante a Copa. Cada país participante do torneio tem sua sorte de vergonhas e desmandos, mas isso não é pretexto para transformar seus jogos em palanque. A humanidade, pertencendo ou não ao Brasil, não presta e nunca prestará, mas isso não quer dizer que não possa ser aprimorada.

*Escritor e designer gráfico. Contatos:
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