À
margem da edição
* Por Pedro J. Bondaczuk
O
artista é o sujeito que lança mão apenas da imaginação para criar obras
nascidas exclusivamente da sua fantasia. Já o cientista se atém ao concreto, ao
comprovável, àquilo que pode ser racionalizado e repetido quantas vezes se
desejar, desde que certas regras sejam rigorosamente respeitadas, certo?
Errado!
O
que entendemos por ciência não é mais do que fruto da especulação. O que hoje é
tido como dogma incontestável, amanhã pode estar totalmente ultrapassado por
novas "descobertas", que por sua vez talvez sejam superadas por
outras, e mais outras e mais outras, em um número de vezes que pode se perder
no infinito.
O
artista, porém, e em especial o poeta (mas também o cronista, o contista, o
romancista, o ensaísta etc.) desenvolve, com anos de exercício, a aptidão de
explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções que lhe sirvam de
matéria-prima para maravilhosas obras de arte. Sons, imagens, odores, sensações
agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são transformados por esses criadores
(que valorizam e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas,
palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o talento de que
são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as nossas, ditadas
por nossa própria experiência pessoal.
Todos
temos, a rigor, em nós, um artista adormecido, embora muitas vezes não pareça
que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que
estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e
que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam
supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá
dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente
se revela em toda a sua grandeza e transcendência.
Esse
imenso preâmbulo, esse enorme “nariz de cera” (e aí está a vantagem de redigir
um texto não-jornalístico) vem a propósito de abordar a experiência singular
que tenho o privilégio de viver, há já 17 meses, de ser o editor do Literário,
sábia criação da direção do Comunique-se, que abre espaço a jornalistas de todo
o País para que mostrem outro lado do seu talento: o de escritores. O de
artistas que enxergam além da realidade e “criam” um mundo, paralelo ao real,
mas que extrapola a realidade, pintado com as tintas do imaginário.
Quando
fui convidado a assumir essa tarefa, de tamanha responsabilidade, assustei-me.
Embora com décadas “de janela”, como editor, e uma “quilometragem” imensa em
literatura, como leitor e produtor de textos (que ascendem a dezenas de
milhares), cheguei a duvidar que fosse capaz de encarar tamanho desafio. Antes
de responder ao convite, resolvi consultar colegas jornalistas e amigos que
considero de muito bom-senso sobre se deveria, ou não, aceitar a proposta.
A
tônica geral dos comentários foi esta: “Sai dessa, Pedrão! Imagina! Jornalista
não sabe escrever, a não ser utilizando fórmulas pré-estabelecidas, preso que
está aos tais manuais de redação. Além disso, está acostumado a sempre ver só o
lado ruim, vicioso e corrupto da vida. Jornalistas são pessimistas por
natureza. Vêem catástrofes medonhas em tudo, até numa simples queda de
bicicleta!”. Apesar dessas “recomendações”, decidi seguir meus instintos e
encarar o desafio. E, para minha felicidade, constato que meus conselheiros
estavam redondamente enganados! Generalizaram e descambaram para a burrice.
Deveriam atentar para o que disse Nelson Rodrigues, ao constatar que “toda
generalização é burra!”. E como é.
Editei
e encaminhei para publicação, nesse período, mais de 1.500 textos. A grande
maioria constituída de trabalhos excepcionais, e em praticamente todos os
gêneros: crônicas, ensaios, poesias, peças teatrais, contos e até um romance
inteiro, publicado em capítulos semanais. O leitor do Comunique-se, portanto,
tem o privilégio do acesso a textos de altíssima qualidade literária (basta
acessar os arquivos para verificar que não exagero) e de graça. Todos,
absolutamente todos, obras de jornalistas!
De
início, contávamos com um quadro de 25 colunistas semanais. Muitos, todavia, em
razão de motivos os mais diversos – a maioria em virtude desse compromisso
conflitar com outros, de caráter profissional – “pularam” do barco. Perderam o
privilégio de um espaço nobre e único, com essas características, na internet.
Outros, porém, os substituíram, sem que a qualidade decrescesse. Ademais,
publicamos vários trabalhos de mais de 300 colaboradores não-fixos, 30% dos
quais estudantes de jornalismo. Alguns desses textos (se não a maioria) são
marcantes! São muito bem escritos e, sobretudo, originais.
Recebo,
semanalmente, por volta de uma centena de colaborações, de todo o País, cada
uma melhor do que a outra. Até o momento, um percentual baixíssimo, coisa em
torno de menos de 10%, foi recusado, por “falta de qualidade literária”. Claro
que alguns textos precisaram ser editados, para corrigir alguns erros –
notadamente de estilo, caracterizado, principalmente, pela mistura de
tratamento “tu” e “você” e alguns de concordância, de pontuação, de acentuação
e de crase – antes de serem programados para publicação. Afinal, esta é a
principal tarefa do editor (posto que não a única), não é mesmo?
Houve
quem reclamasse das mudanças efetuadas no que escreveram, o que me deixou
pasmo. Como jornalistas, essas pessoas deveriam saber que nos grandes jornais,
raramente, são publicadas matérias rigorosamente como são escritas. Nas
editoras, livros passam, via de regra, por profundas revisões. Se fossem
divulgados exatamente como são redigidos... seria um Deus nos acuda! Tanto os
redatores, quanto os editores, em pouco tempo, seriam demitidos! Os textos são
submetidos, sempre, invariavelmente, a um copy-desk, para se adequarem tanto ao
espaço que o editor dispõe, quanto à qualidade exigida. Mas foram poucos,
pouquíssimos, mínimos, os problemas dessa ordem.
Só
tenho uma queixa, nesse já relativamente longo período em que tenho o
privilégio de ser o editor do “Literário”: a pequena quantidade de comentários
nos textos postados. Afinal, a melhor característica da internet é a possibilidade
de se estabelecer interatividade entre autor e leitor. Mais do que isso, porém,
fico furioso, possesso até, quando algum participante desse espaço é tratado de
forma desrespeitosa. Quem tem acesso a essas obras deveria, isto sim, se
conscientizar do privilégio que tem. Afinal, recebe, absolutamente de graça, produções
de alta qualidade que, de outra forma, teria que pagar (e muito) para poder
ler.
A
grande maioria dos participantes é de escritores consagrados e,
simultaneamente, jornalistas vencedores. São pessoas que, generosamente, “doam”
a quem quiser o fruto do seu talento. O mínimo que merecem, portanto, é
respeito. Claro que críticas bem-fundamentadas e comentários educados são
sempre bem-vindos. Servem como balizadores, como referenciais, como parâmetros
para os autores. Fico frustradíssimo quando algum texto meu passa em “brancas
nuvens”. Minha decepção, porém, é maior, muitíssimo maior quando os dos nossos
ilustres colunistas, e dos nossos generosos colaboradores, não são
comentados.
Noam
Chomsky constatou, em um artigo publicado há algum tempo nos Estados Unidos,
que “um grande
escritor ou pensador pode modificar o caráter da língua e enriquecer seus meios
de expressão sem afetar a estrutura gramatical”. É isso que aqueles que dão
vida ao Literário fazem. Ou seja, modificam (para melhor, claro) o caráter do
idioma e enriquecem os meios de expressão com o seu talento, sua inteligência,
sua percepção e, sobretudo, sua generosidade. Por isso, merecem todo o nosso
prestígio e nossa total consideração, se não nossa comovida gratidão!
* Jornalista,
radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual
Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do
Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova
utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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