Iracema
* Por
José de Alencar
Verdes mares bravios de
minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Verdes mares
que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as
alvas praias ensombradas de coqueiros; Serenai, verdes mares, e alisai
docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor
das águas.
Onde vai a afoita
jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande
vela?
Onde vai como branca
alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram
sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja
tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a
luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra
selvagem.
A lufada intermitente
traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
O moço guerreiro,
encostado ao mastro, leva os olhos presos na sombra fugitiva da terra; a
espaços o olhar empanado por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as
duas inocentes criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio
arranca d’alma um agro sorriso.
Que deixara ele na
terra do exílio?
Uma história que me
contaram nas lindas várzeas onde nasci, à calada da noite, quando a lua
passeava no céu argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares.
Refresca o vento.
O rulo das vagas
precipita. O barco salta sobre as ondas e desaparece no horizonte. Abre-se a
imensidade dos mares; e a borrasca enverga, como o condor, as foscas asas sobre
o abismo.
Deus te leve a salvo,
brioso e altivo barco, por entre as vagas revoltas, e te poje nalguma enseada
amiga. Soprem para ti as brandas auras; e para ti jaspeie a bonança mares de
leite.
Enquanto vogas assim à
discrição do vento, airoso barco, volva às brancas areias a saudade, que te
acompanha, mas não se parte da terra onde revoa.
Primeiro capítulo do
romance “Iracema”
* Jornalista, político, advogado, orador,
crítico, cronista, polemista, romancista e dramaturgo
Nenhum comentário:
Postar um comentário