O destino late antes da hora
* Por
Cida Pedrosa
Joly foi amarrado ao
meio-dia. Só olhos e sede. O pé de juazeiro era pouco para a impaciência e o
silêncio. A tarde era castanha e corria em um abril sereno, desses sem nuvens e
de brisa rasteira a balançar as saias.
Joly foi amarrado ao
meio-dia. A menina se aproximou da corda e foi puxada bruscamente pelo pai. Sem
entenderem nada, o encontro de quatro olhos aflitos, partido apenas por um leve
grunhido e um suave balançar de rabo.
Joly foi amarrado ao
meio-dia. Olhos vidrados, baba na boca. Não quis o pão embebido em leite, nem o
almoço tirado da mesa e longe das sobras.
Joly foi executado ao
meio-dia. Um pai uma única mão um único tiro misericórdia nos olhos. Duas
cabeças dois corações. Um destino que parou. A menina não tinha palavras na
boca e correu estrada afora. Tarde sem dentes, água entre as pernas e um latido
encravado no ouvido.
A mulher parou no sinal
ao meio-dia. Só olhos e cansaço. A sombra da alameda era pouca para a
impaciência e o barulho. A tarde era castanha e corria em um abril apressado,
cheio de nuvens e de um vento ligeiro.
A mulher parou no sinal
ao meio-dia. O menino se aproximou do carro e puxou bruscamente a arma contra o
vidro. Sem entenderem nada, se repete o encontro de quatro olhos aflitos,
partido apenas pelo suave levantar do cão.
A mulher parou no sinal
ao meio-dia. Estava com fome e na mesa posta pratos e filhos à sua espera.
A mulher foi executada
ao meio-dia. Um menino duas mãos vários tiros uma bolsa. Duas cabeças dois
corações dois destinos. O menino não tinha misericórdia nos olhos vidrados e
correu rua afora sem amarras. Tarde sem dentes, baba na boca, água entre as
pernas e um barulho de sirene no ouvido.
(Ilustração: Oswaldo
Sagastegui)
* Poetisa
e vereadora no Recife
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