A alavanca da Kátia Abreu
* Por
José Ribamar Bessa Freire
Responda sem
pestanejar: o Brasil ganha a Copa? Ganha caso o Felipão conte - digamos assim -
com a bunda do Hulk ou com o topete arrepiado do Neymar como ponto de apoio.
Mas há quem duvide por achar isso ainda insuficiente. Para a senadora Kátia
Abreu (PMDB, TO, vixe, vixe), além de ponto de apoio, precisamos da alavanca de
Aristóteles para empurrar a seleção e torná-la hexacampeã. Alavancado por Aristóteles,
aí sim, Hulk faz um gol de bunda e o Brasil fica com o caneco. Aristóteles não
falha.
A senadora Kátia Abreu
está convencida de que tudo depende da alavanca do filósofo grego, cujo poder
miraculoso é capaz, em sua imodesta opinião, de colocar o Brasil nas cabeças,
tanto a seleção brasileira quanto o agronegócio. Licenciada do comando da
Confederação Nacional da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA) para se
dedicar à sua reeleição ao Senado, ela escreveu na Folha de São Paulo o artigo
A Alavanca de Aristóteles (24/05/14), justamente sobre o setor do agronegócio.
Confessou, nesse
artigo, que chegou a “relatar à presidente Dilma nosso temor de que a
desatenção para com esse setor levasse o pecuarista a procurar alternativa mais
rentável”. Reivindicou mais recursos para o seguro agrícola, elogiou a criação
de “um canal direto entre o setor e o governo” que funcionou nos últimos três
anos, quando “fomos relativamente pouco penalizados”, se rejubilou com “as
condições de financiamento à avicultura, à suinocultura, à agricultura de
precisão, a hortigranjeiros e à pecuária de leite” e concluiu com frase
contundente:
- Aristóteles já dizia: “Dê-me uma alavanca e
moverei o mundo”. Num país como o nosso, dê o agro a um governante sensato e
ele moverá o Brasil. Escreveu e assinou embaixo: Kátia Abreu.
Eureka
Depois de publicado,
Kátia Abreu não podia mais apagar a gargalhada que estrondou “num país como o
nosso” do Chuí ao Gurupi. Foi ridicularizada, sob o argumento de que pisou feio
na bola, pois a alavanca não é de Aristóteles - o filósofo nascido em Estagira
(384 a.C.), mas de Arquimedes - o matemático e físico de Siracusa, que só
surgiu um século depois (287 a.C.). Por que os assessores tão bem remunerados
não explicaram à senadora que quem mexia com alavancas, roldanas e catapultas
era Arquimedes, morto por um soldado romano, e não o aluno de Platão?
Uma leitora lembrou que
o sacrifício de Arquimedes tinha sido em vão, ele quase contraiu pneumonia ao
tomar banho e sair só de cueca, no frio, gritando - Eureka! Eureka! – quando
descobriu, ao entrar na banheira, que era possível calcular o volume de um
corpo qualquer, que desloca uma quantidade de água igual ao seu próprio
volume.
De que adiantou tanto
sofrimento, se a colunista que escreve semanalmente num grande jornal atribuiu
os créditos a outro autor? Arquimedes, se pudesse, reescreveria a frase na
lápide de sua sepultura: “Noli turbare alavancam meam, Katia Agronegotiorum,
regina motoserrae”, ou traduzido ao neolatim falado atualmente em Tocantins “Deixa
minha alavanca em paz, Kátia do agronegócio, rainha da motoserra”.
Diante dos comentários
jocosos, Kátia Abreu foi obrigada a reconhecer o erro em nota publicada no dia
seguinte na Folha: “RESPOSTA DA COLUNISTA KÁTIA ABREU - Por um lapso de
memória, atribuí a Aristóteles uma frase de Arquimedes. A confusão autoral não
invalida o paralelo que quis traçar – e que reitero – entre a alavanca e o
agronegócio. Perdão, leitores”.
Lapso de memória? Conta
outra. Até mesmo o leitor que perdoou, não acreditou no “lapso de memória”.
Teria sido assim, se ela soubesse e tivesse esquecido momentaneamente. Mas ela
não sabe. Podia ter perguntado a qualquer aluno Guarani, Kaingang e Xokleng da
Licenciatura Intercultural da Universidade Federal de Santa Catarina, pois todos
eles conhecem Aristóteles e Arquimedes. No entanto, a senadora insiste que não
importa de quem é a alavanca; o fundamental é que ela impulsione o agronegócio
e - eu acrescento - a seleção brasileira.
Dialeto dórico
- “Cala a boca, Magda”
– implorou uma leitora para quem a senadora “é o retrato acabado do pedantismo
das nossas elites sonegadoras offshore burras que comem ovo e arrotam caviar,
atribuindo a Aristóteles uma frase de Arquimedes”.
- Bastava a senadora
consultar o Google para não cometer erro tão lamentável. Um vexame! – comentou
um leitor, que pessoalmente não dá importância a essas firulas, mas só
considera grave por que a autora trata os índios como “primitivos” e
“selvagens”, se sentindo superior a eles.
Google? A senadora –
imagina! – é demasiado erudita para tarefa tão comezinha. Por extrema modéstia,
ela não quis revelar que tal confusão se deu porque leu o texto de Arquimedes,
no original, em grego antigo, que conhece e fala fluentemente. No entanto, como
o grego que ela domina é o dialeto cipriota, houve um quiproquó, já que o texto
de Arquimedes foi escrito em grego dórico, dialeto falado em Siracusa.
Ora, todo mundo sabe
que os nomes mudam de uma língua para outra. Por exemplo, o autor do
taquiprati, em português, é este locutor que vos fala - uma celebridade
municipal, mas será outra pessoa se seu nome for traduzido ao inglês - Joseph
Oversea Verymuch - ou ao francês – Joseph Au-delà de la mer Davantage. Da mesma
forma, Arquimedes, em cipriota, vira algo parecido com Aristóteles que – convenhamos
– dá mais ibope. Às vezes, pecamos por excesso de erudição. Foi o que aconteceu
com Kátia, que não quis perguntar nem ao Google nem aos índios. Por orgulho
besta.
A senadora Kátia Abreu
aborda a questão indígena, em alguns de seus artigos semanais, com o mesmo
“lapso de memória” com que tratou a alavanca de Aristóteles; os “lapsos de
memória” são frequentes especialmente quando se trata de reconhecer as terras
indígenas. Aborda qualquer assunto com a mesma erudição, com a mesma seriedade
e com a mesma profundidade, como seu recente pronunciamento contra a Lei da
Palmada: “É absurdo querer determinar aos pais, pela lei, como devem zelar ou
tratar seus filhos” – ela declarou.
Enfim, a forma como a
colunista da Folha domina o pensamento dos pré-socráticos, dos estoicos, dos
epicuristas, dos platônicos e dos cínicos nos faz suspeitar ter ela lido, de
cabo a rabo, as 300 páginas da Sínderese do Cônego Walter Gonçalves Nogueira,
cujas aulas de filosofia, no Curso Clássico, em Manaus, demonstraram cabalmente,
pelos efeitos causados, que “Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual a
gente fica tal e qual”. Ou, como disse o corintiano Sócrates: “Só sei que nada
sei”. Êpa! Foi ele mesmo quem falou? Ou foi o Valdemar Carabina, zagueiro do
Palmeiras? Pera lá que vou consultar o
Google.
P.S. Agradeço a
jornalista Leda Beck que, fascinada, me chamou a atenção para a erudição e o
refinamento da senadora e ao meu amigo Renan de Freitas Pinto, leitor voraz,
cujo livro de cabeceira é um igapó encharcado de cópias de ofícios e memorandos
e se tornou best seller em Coari, cidade natal do autor: NOGUEIRA, Walter
Gonçalves (Cônego). Sindérese sobre a Faculdade de Filosofia do Amazonas.
Manaus: Sérgio Cardoso Editor, 1962, 298p.
* Jornalista
e historiador
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