Faz de conta
* Por
Jair Lopes
Que este Patropi é o país da justiça sumária para os amaldiçoados pela
letra “P” – pobres, putas e pretos - e da injustiça institucional para os que
detém poder ou conta bancária de certo vulto todo mundo sabe, embora a maioria,
por conveniência, oportunismo ou por preguiça não costume computar tal
assertiva. Enquanto nos presídios faltam vagas para as levas de marginais,
bandidos genéricos e meliantes comuns que vagam pelas ruas, os engravatados –
especialmente em Brasília – continuam flanando por aí e dando gargalhadas ao
tempo que gastam o dinheiro roubado de nossos bolsos.
Daí, por uma conjunção de fatores fortuitos completamente fora dos
costumes desta república, aconteceu que alguns políticos e civis bem colocados
na sociedade, fazendo uso do expediente “normal” de desviar dinheiro público
para seus bolsos, contas bancárias e até cuecas, foram pegos com as mãos na
massa e denunciados pelo Ministério Público. Por outra fatuidade mais rara
ainda, o processo mandado para o STF – órgão encarregado de “inocentar” figuras
públicas de todos os matizes (vide Collor) – caiu no colo do incorruptível e
rigoroso ministro Joaquim Barbosa, que foi designado relator do processo.
Parece que essa estranha coincidência que nunca antes havia acontecido,
e que provavelmente jamais acontecerá de novo, pegou todos de surpresa: as
mídias, os poderes da república, os corruptos e corruptores e o público em
geral. Mais que surpresa esse evento transformou-se numa batata quente nas mãos
dos ministros do STF, os quais estavam certos que nada iria acontecer como
todos os processos anteriores. Até que o ministro Enrique Ricardo Lewandowski
indicado para o cargo pelo presidente Lula, fez das tripas coração para
arquivar, desmembrar, protelar ou extinguir o processo de modo a fazer o que
sempre se fez: livrar a cara de corruptos e corruptores “por falta de provas”
ou qualquer outra expressão jurídica vazia capaz de “inocentar” quem não foi
amaldiçoado pela nefasta letra ”P”.
Tudo bem até aqui, mas como e porque essas proeminentes figuras foram
pegas? Quem os pegou, já que se gritar pega ladrão no
Congresso lotado, este fica vazio? Pois é, aqui também houve coincidência de
dois fatores que acabaram por determinar esse desfecho que resultou no
julgamento dos “mensaleiros”. Primeiro: a direita nunca temeu a eleição de Lula
para presidente, sempre julgou que este por ser “analfabeto”, não representaria
ameaça alguma ao status quo vigente, o qual, como sabemos, é
favorável à corrupção seguida pela indissociável impunidade para os
engravatados que delinqüem. Mas, para pavor dos oposicionistas conservadores,
no pacote Lula presidente, havia o formidável, articulado,
inteligente, mas pouco carismático José Dirceu. Este sim representaria um
perigo iminente para a direita num futuro próximo. O cargo de Chefe da Casa
Civil do governo Lula, habilitava quase automaticamente José Dirceu como forte
candidato a sucessão de Lula. As bases oposicionistas tremiam, pois sabiam que
Dirceu era o adversário, sabiam que Dirceu era e é melhor que todos
eles juntos. Urgia que se fizesse alguma coisa para tolher a ascensão de
Dirceu. Para gaudio da direitona corrupta aconteceu que, como todos os
detentores do poder antes, os homens do PT delinqüiram. Vieram da oposição onde
agiam como vestais, venderam uma imagem que os colocava fora da banda pobre da
república e seduziram o eleitorado com promessas de gestão transparente e
incorruptível. A subida ao poder causou-lhe duas feridas que, se não eram
mortais, pelo menos deveriam ser cuidadas para que não os aleijassem. Primeiro,
foram arrogantes ao se venderem como homens puros, isso não existe, mas o fato
de se arrogarem tal predicado aumentou em intensidade sua rejeição, em número
seus adversários e a vigilância sobre seus atos. Segundo, uma vez no poder
começaram a se comportar exatamente como os outros sempre se
comportaram, ou seja, meteram a mão na cumbuca. Só que por ingenuidade ou
amadorismo o fizeram sem o cuidado que os ladrões notórios o fazem. É só notar
que Maluf, Sarney, Collor, Calheiros e uma grande leva de outros parlamentares
continuam impunes e mandando no país mais que urubu em Manaus.
O resultado dessa mistura de amadorismo e injunção quase inverossímil no
STF foi a pseudoprisão de alguns mensaleiros, digo pseudoprisão porque não
devemos ter dúvida, daqui a alguns dias quando a poeira baixar, os ministros
cooptados, sem alarde algum, vão encontrando desvãos legais pelos quais os
ladrões de casaca vão saindo devagarzinho para os chamados regimes abertos e
que tais. E todos serão heróis, pois, como disse Genoino, eles se consideram
presos políticos. Aliás, de acordo com a Lei da Anistia, como presos políticos
certamente terão direito a polpudas indenizações depois da prisão. Longa vida a
todos os presos políticos deste país: Marcola, Pézão, Gê da Rocinha,
Fernandinho Beira Mar, Orelha, Vanildo Magrão etc.
Que fique claro, o PT não inventou a corrupção, não roubou mais que o
PSDB, por exemplo, e os mensaleiros não são piores ou melhores que os milhares
de ladrões que continuam na vida pública roubando e se locupletando, apenas
foram menos habiliodosos ao meter a mão na coisa pública e não foram bafejados pela
sorte que geralmente não vê os desmandos e roubos. Então, quando alguém diz que
a justiça finalmente foi feita, no mínimo está sendo parcial, porque enquanto
Malufs e Sarneys estivem aquém das grades isso tudo é perfumaria, isso tudo é
um faz de conta que, infelizmente, representa perfeitamente
quanto este é o país do carnaval, do futebol e da impunidade. Lembremos também
que dos milhões roubados nada retornou aos cofre públicos. Definitivamente, o
crime compensa neste país do faz de conta. Faz de conta que os julgamos, faz de
conta que vocês foram presos, faz de conta que a justiça tardou mas não
falhou. Como dizia o saudoso Stanislau Ponte Preta: “Restaure-se a
moralidade, ou locupletemos todos”.
*
Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.
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