A pesca
* Por
Jair Lopes
Todos temos sonhos desde crianças, aliás, todos temos direito aos
sonhos, algumas vezes insanos, teatrais, absurdos, outras pé fincado no solo.
Sonhos irrealizáveis o mais das vezes, mas alguns, por conjunções nem um pouco
claras aos mortais comuns, acabam sendo realizados na mais perfeita
forma.
Quando eu era criança de sete ou oito anos na minha querida Palmeira, vi
uma ilustração em uma revista infantil que mostrava um esquimó pescando num
lago congelado. A superfície congelada do lago, significava que o pescador teve
que fazer um buraco no gelo e pescar através dele. Fascinante para qualquer
adulto não afeito às coisas dos invernos austrais, imagine para um guri
imaginativo e tímido que sempre fui.
Como narrei em outros textos, sempre gostei de pescar com caniço, linha,
anzol e algumas minhocas. Não foram poucas as vezes que, juntamente com meu
primo Joel, percorri os riachos, córregos, riozinhos, sangas e arroios das
cercanias da cidade, ou umas tantas vezes mais acompanhei meu pai e seus
companheiros adultos em pescarias mais longas e produtivas no Rio Iguaçu,
Tibagi ou Canhu, todos rios menos ou mais volumosos pertencentes ao, ou
meramente passantes pelo planalto dos campos gerais do
Paraná.
As pescarias passaram a fazer parte de minha vida adulta também, isto é,
já casado mas sem filhos minha mulher e eu pescávamos não só em rios e riachos,
mas no mar, nas costas rochosas do oceano em Florianópolis e adjacências.
Quando os filhos vieram, desde seus dois ou três anos ambos me acompanhavam na
pesca em beiradas de rios. Moramos por dois anos em Campo Grande, MS, onde as
possibilidades de pesca em rios caudalosos repletos de pacus, dourados e
pintados era fato concreto e nos foi possível realizar algumas pescarias bem
interessantes.
Mas e a pesca em lago congelado? Pois é, o sonho de fisgar peixes
através de um furo no gelo – sonho do tempo de menino – vez ou outra me vinha à
mente sem, contudo, assumir ares de coisa realizável. Inimaginável sob
quaisquer óticas, meu sonho infantil aninhou-se em algum recôndito de meu
cérebro e não me incomodou por muitos anos, no fundo do inconsciente estava e
lá ficou dormitando. Mas, como dizia a mãe de Forrest Gump, a vida é como uma
caixa de bombons você nunca sabe o que vai encontrar dentro.
Então, neste ano treze do terceiro milênio, ao abrir minha caixa de
bombons em maio – casamento de meu filho Adriano com Megan, uma canadense –
surgiu a possibilidade concreta de um natal branco no Canadá com potencial
bônus de pescaria em piscoso lago congelado.
Viemos ao Canadá neste dezembro e nos hospedamos na casa dos pais da
Megan. Paul e Marylin, pessoas muito finas e cordiais como soem ser os
canadenses. Paul interessou-se pela minha “causa” e, no fim de semana que
precedeu o natal, ativou seus contatos que gostam de pesca, providenciou
equipamentos, calçados, roupas e iscas e lá fomos nós rumo ao Summit Lake,
distante duzentos quilômetros ao norte de Castlegar, pequena cidade – sete
mil habitantes - onde nos encontramos hospedados.
Summit Lake é um pequeno lago com quatro quilômetros de comprimento por
um de largura e que congela todos os invernos. Munidos de licença de pesca que
providenciamos junto ao órgão competente ao custo de vinte dólares por pessoa,
que dá direito à pesca de dois exemplares por espécie por pessoa por dia, lá
fomos nós apetrechados e cheios de entusiasmo.
No local, a seis graus centígrados abaixo de zero, caminhamos até o meio
do lago e, com trado especialmente bolado para perfurar no gelo um buraco
suficientemente largo para passagem de qualquer peixe ali existente, fizemos os
buracos na superfície congelada que apresentava um pouco mais de vinte
centímetros de espessura. Começou a realização do devaneio onírico de minha
infância. Fiz questão de fazer o buraco por onde introduzi a linha.
Curiosamente a isca primeira, a mais usada para a pesca de trutas é a minhoca.
Isca de minhoca numa ponta da linha e esperança na outra pescamos os dez peixes
que as cinco licenças nos davam direito. Eu pesquei três trutas. Fico por aqui,
não há necessidade de dizer mais nada, a não ser que jantamos os peixes naquele
dia, os quais sabiam a delicioso sabor selvagem. Fiquei feliz.
*
Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.
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