Teatro
da vida real
* Por Rodrigo
Ramazzini
Os ensaios da
peça teatral “Os investigados” duraram longos cinco meses. Quem assistiu
previamente a encenação a classificou como um das melhores dos últimos tempos.
No elenco de oito autores, Juan Ramires se destacava como o faz tudo: era o
diretor, roteirista e ator principal, ao personificar a figura do Delegado
Wagner, centro das atenções do enredo.
A noite de
estreia, ancorada pelo burburinho que a antecedeu, fez com que a casa de
espetáculos estivesse lotada naquele sábado. Pontualmente, às 21h, as cortinas
foram abertas e Juan, ou melhor, Delegado Wagner, abriu a cena com a afirmação
que instigaria a plateia a prestar a atenção em todos os detalhes da peça de
teatro:
- Eu vou
descobrir quem matou Lázaro Algaçaburro! E preciso da ajuda de vocês!
Tal frase não
era dita à toa, pois à medida que o espetáculo avançava, o Delegado Wagner
interagia com o público, questionando sobre os possíveis autores do assassinato
dentre os atores da peça, o que fazia com que o roteiro fosse dinâmico e mudasse
a cada novo suspeito indicado.
A peça
transcorria normalmente até os seus 56 minutos de encenação, de um total de 1h
e 20min. Foi quando ao centro do palco, Delegado Wagner com a luz toda em cima
de si, depois de pensar por alguns segundos, devia chegar a mais uma
constatação sobre o possível autor do crime e revelá-la a plateia. Silêncio no
teatro. Todos os olhos voltados para o Delegado. Público e demais atores da
peça aguardavam ansiosamente o desenrolar do roteiro. Quinze segundos se passaram
e nada da revelação. Transcorreram mais trinta segundos e a situação permaneceu
inalterada. Todos perceberam que havia algo errado. Então, Juan quebrou o
silêncio e confessou humildemente aos presentes:
- Gente!
Esqueci o próprio roteiro que escrevi... Desculpem-me!
Rapidamente, a
plateia compreendeu a posição do ator e, em pé, o aplaudiu intensamente por
vários minutos. Depois de um novo pedido de desculpas, um dos atores da peça “soprou”
a fala a Juan, que assim lembrou-se do restante do texto e seguiu
magistralmente dando vida a figura do Delegado Wagner até a aclamação do
público ao final da peça.
Encerrado o
espetáculo, o restante do elenco da peça aguardava ansiosamente a chegada de
Juan no camarim, pois acreditavam que a situação enfrentada no palco o levaria
a alto nível de stress e um sentimento de inconformidade pelo erro logo na
estreia estaria dando as rédeas do seu humor. As frases de consolo já estavam
ensaiadas.
Foi então que
para a surpresa de todos, Juan surgiu às gargalhadas contando suas impressões
sobre o episódio. Silêncio no camarim. Ele questionou:
- Morreu
alguém? Por que essas caras de velório? A peça não foi um sucesso?
- Como você
está Juan? Nós pensamos que..., rebateu um dos atores.
- Pensaram
errado! Replicou Juan.
Silêncio.
Então, Juan cunhou a frase que posteriormente foi parar na lápide do seu
jazigo:
- Enquanto
tivermos a capacidade de rir de nós mesmos, principalmente, depois de situações
difíceis, é o sinal divino que nos aceitamos como imperfeitos e estamos evoluindo
para compreender a vida!
Todos
concordaram com a afirmação depois de uma breve reflexão. E, em meio a gargalhadas,
demonstrando total tolerância ao próprio erro e absorvendo ao aprendizado
gerado pela situação, ele completou:
- Isso não vai
mais acontecer. Prometo ensaiar mais e mais... Mas, será que filmaram? A minha
cara de pavor com o esquecimento deve ter ficado uma obra! Há! Há! Há!
E todos caíram
no riso também...
* Jornalista e contista gaúcho
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