O calouro mariposa
* Por Clayton Nobre
Renato estava dormindo antes de
cair da árvore e ver-se transformado em uma horrenda mariposa. Seu corpo era
tão belo quanto o de uma borboleta, só não havia apreciado suas asas velhas e
enrugadas. E por uma lastimosa sorte, eram as asas que auferiam maior
visibilidade.
Quando se encontrou com as outras
mariposas, sentiu que deveria ter aproveitado mais a vida enquanto imaturo.
Engraçado ele ter aquela visão pois, uma vez larva, ele invejava com
intemperança o voar das aves e dos insetos. Renato parecia não ter noção de que
aquele momento era o mais aguardado em toda a sua vida insignificante.
Insignificante porque antes ele não tinha tanto a fazer sem as amplas
possibilidades proporcionadas por aquelas asas.
Mudariam seus hábitos
alimentares? Na certa, sim. Os riscos de vida seriam os mesmos? Não,
certamente. Nenhuma das outras mariposas parecia ter o interesse de responder
as perguntas mais inquietantes de Renato.
Escolhi relatar a síntese da
história de uma mariposa na falta de melhor inventividade para misturar temas
como maturidade e ingresso à universidade. Quis fazê-lo em um único texto
porque não há feitio que torne longa a distância entre calouro e maturidade. Usar
o inseto como ilustração me surgiu por causa da leitura de A Metamorfose. Não sei ao certo qual era a intenção de Kafka ao
escrever história tão bizarra, mas me imaginei quando calouro no momento em que
Gregor Samsa acordou transformado em um gigantesco inseto.
Os hábitos alimentares mudaram,
assim como as amizades, nossas trajetórias, entre outras coisas. Tudo isso após
o ato de escolha da profissão, o primeiro da vida adulta. E como seria
diferente se a escolha fosse outra – ou se permitisse que outros a fizessem. O
vislumbre que ainda está guardado em minha memória emotiva desde o primeiro dia
de calouro confunde-se com o medo de começar a tomar decisões. Nossas ações não
são mais as mesmas quando compreendemos que, agora, somos os únicos
responsáveis pelo nosso bem-estar.
O que nos diferencia de Renato –
e nos aproxima de Gregor – é o fato de que muitos demoram a perceber a
metamorfose – ou talvez ainda nem a tenham sofrido. Nas salas da universidade,
ainda esperam a solução dos problemas acadêmicos surgir como um fruto na
árvore.
A questão da maturidade, atualmente,
tem sido alvo de fatos e controvérsias. Para muitos, nos corredores e nos meios
de comunicação pelos quais escutamos a efêmera discussão sobre a maioridade
penal, algumas alterações na legislação brasileira colaborariam pela redução da
violência. Quem defende a mudança acredita que muitos jovens de 16 anos já têm
ciência de suas ações. Pergunto se poderia afirmar que esses jovens estão aptos
a enfrentar trabalho mais duro como a universidade. Se não, estão imaturos e
merecem educação qualificada.
Graças a essa discussão, entendi
porque muitos não conseguem adaptar-se ao meio acadêmico: é imaturidade. Procurem
essas pessoas e descubram como levam suas vidas e descobrirão que não estou
mentindo. A universidade deve ser vista como exercício. O vislumbre dos
calouros logo será aniquilado se a universidade for compreendida de forma inequívoca,
em uma unidade academicista.
Se voltar a historieta da
mariposa para explicar melhor minha tese, diria que Renato logo descobriria que
o voar das aves e dos insetos é um trabalho monótono, árduo e enfadonho. Mas é
somente por meio dele que Renato descobriria os caminhos adequados para o seu
bem-estar. E no final, vai adorar ter a capacidade de voar e ser invejado pelos
lagartos.
* Jornalista
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