Respeitem a barba!
* Por Fernando Yanmar Narciso
Por que a saga do azarão fascina tanto as pessoas? Pode haver uma ou
outra coisa mais satisfatória que ver aquele sujeitinho comum, que pode estar
na sua frente na fila da padaria ou olhando os carros no estacionamento passar
por todas as agruras que o destino possa oferecer, vencendo um desafio atrás do
outro até completar um objetivo, que nem mesmo a família dele acreditava ser
possível que conseguisse, e tornar-se o grande herói da nação. Mas,
sinceramente, não a conheço. Rocky Balboa fez de vencer os percalços sua
razão de viver, o Chapolin Colorado morre de medo dos inimigos, mas de algum
modo- quase sempre por acidente- consegue virar a mesa nos últimos cinco
minutos de todo episódio e reconquistar o respeito de quem o havia chamado.
Sei que falei sobre a luta livre há alguns dias, agora lhes escrevo
sobre a grande inspiração daquele artigo, pois nessa categoria de heróis também
podemos encaixar o novo queridinho da América, o lutador profissional Daniel
Bryan. Ironicamente nascido em Washington, o garoto cresceu fascinado pelos
homenzarrões de sunga e botas na década de 80, brincando de executar os
golpes-assinatura de seus ídolos nas almofadas do sofá. Se fosse possível
comparar luta livre ao futebol, Bryan seria o Amarildo da copa de 62. De
estatura normal, pálido devido ao veganismo, atlético sem parecer um cavalo e
cultivando juba e barba enormes, é praticamente um John Lennon sem os óculos.
Mas deixa só ele subir no ringue pra ver o que acontece! O homem é uma
ferinha, voa quase tão alto quanto um capoeirista e traz agilidade e variedade
de ataques a um esporte em geral metódico e arrastado. Após ganhar vários
prêmios na adolescência e tornar-se meio que um astro nas promoções underground mundo
afora, ele enfim abriu os olhos do bom e velho Vince McMahon em 2010. Após
penar um bocado na liga amadora da WWE, o Dragão Americano, como era conhecido
na época, foi convocado para a liga principal da empresa anos mais tarde.
É aí onde reside o seu problema. Como ele não lembra em praticamente
nada os mastodontes que McMahon costuma vender aos fãs como heróis da empresa,
ele e os roteiristas da programação da WWE parecem não saber o que querem fazer
com ele até hoje... Não que isso importe para os fãs do cara! O grande apelo do
atleta é que ele se parece com qualquer um de nós, você provavelmente topou com
ele na rua hoje e nem percebeu. A galera nos estádios percebeu isso e não pára
de gritar seu nome, apenas não parece ter caído a ficha de seus empregadores
ainda...
Antes que vocês venham implicar comigo, eu sei que tudo isso faz parte
do personagem que ele interpreta, que luta livre é armada e os atletas/ atores
apenas seguem o roteiro, mas o mesmo pode ser dito de filmes e as demais séries
de TV. O fato é que, desde que o garoto estreou na grande liga, ou mesmo antes
disso, ele exerce o papel de “Office-boy da lona”. Agendam pra ele aquelas
batalhas que ninguém em sã consciência (no universo da marmelada, é claro)
aceitaria, como enfrentar três a quatro caras com o dobro do tamanho dele ao
mesmo tempo, ou ter três lutas numa única noite.
E, de algum jeito, ele sempre dá a volta por cima. Como se não bastasse,
seus patrões no enredo o submetem a sessões incessantes de bullying e
desmoralização, como mandar os narradores o chamarem de “cabrito” o tempo todo,
e o forçar a usar camisetas ridículas com os dizeres “Barba De Respeito”.
Pensam que isso reduziria o moral que Bryan tem com os fãs? HELL NO! Há dois
anos, mudaram o personagem dele para The Yes Man, o que significa que para
qualquer grande vitória ou injustiça cometida contra ele a geral deve responder
com YES ou NO...
E essa ideia estúpida pegou feito catarro na parede! É o bordão do
momento no lar dos ianques, e os fãs berram YES, NO e DANIEL BRYAN mesmo quando
não há lutas agendadas para ele. A galera usa os gritos de guerra principalmente
para trolar lutas e atletas que eles consideram chatos demais. E o poder do YES
cruzou inclusive a barreira da WWE, com jogadores de outros esportes gravando
memes no Youtube com times e torcedores berrando YES e fazendo a coreografia
característica com indicadores em riste. Seu estrelato devia parecer pra
lá de óbvio para Vince a essa altura, não acham? Ah, mas nunca subestimem a
estupidez humana...
Eis que no primeiro grande evento da empresa neste ano, reunindo 30 de
seus maiores astros numa batalha campal pela classificação para o próximo
grande evento, apesar de ter o rosto de Bryan no pôster promocional, a empresa
sequer agendou sua participação na luta! Como assim, o superstar do momento, o
grande herói do país não vai entrar no ringue?! O estádio veio abaixo! Não
importa quem entrasse na batalha, a geral o expulsava do estádio a vaias,
inclusive o grande vencedor da noite. O Twitter foi tomado por fãs rebelados,
lutadores rebelados e até o próprio Yes Man mostrou sua ira contra o roteiro da
noite. Raios, até a BBC de Londres colocou essa decisão estapafúrdia na
primeira página!
Bem que o script, reescrito da noite pro dia para acomodar o momento de
glória do Cabrito, tentou disfarçar a mancada na noite seguinte, revelando que
tudo não passava de um “ângulo” no enredo, como eles chamam as sagas de cada
lutador, mas de nada adiantou. Alguns astros da empresa começaram a pedir
demissão nessa semana, e creio que alguns consumidores chegaram a pedir
reembolso dos eventos de pay-per-view do ano. E tudo isso só porque Daniel não
corresponde ao “Padrão Vince McMahon de lutador”... Força na cabeleira e na
barba, Dragão Americano! Você merece todo o respeito que o mundo insiste em lhe
negar!
*Designer e escritor. Sites:
Exagero e paixão de fã. Sei que admira a coragem e a estupidez excessivas. Como dizia minha mãe: "de valentões o cemitério está cheio".
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