Macumba
* Por
Rodrigo Ramazzini
Final
do Campeonato Municipal de Futebol de Campo. Roma x Unidos da Vila do Tio
Chico. Jogo marcado para o domingo, no campo pertencente à prefeitura do
município, com expectativa da presença de grande público, tendo em vista os
comentários que antecediam a partida na pequena cidade.
Os
times chegaram ao duelo com campanhas bastante distintas. A equipe da Roma
honrou a tradição do nome oriundo do time italiano e chegou à final com a
melhor campanha entre todos os participantes da competição, sem ter perdido
nenhuma partida, além de contar com, no mínimo, oito jogadores de reconhecida
qualidade. “Não perdem nada para alguns profissionais que andam por aí”,
diziam. Era um clube muitíssimo organizado, tendo inclusive sede própria. Era
logicamente o franco favorito a ganhar o título. Do outro lado, o time do
Unidos da Vila do Tio Chico era um combinado de atletas da Vila Madalena,
treinados pelo Tio Chico, figura histórica do lugar, que conseguiu a façanha de
ir à final por muita sorte, sendo ajudado pelos juízes por três vezes. Ainda,
contou com a desistência de uma das equipes na fase de classificação e o
talento solitário de um centroavante, que fez 70 por cento dos gols do time.
Na
sexta-feira que precedeu a final, a diretoria do time da Vila, o capitão da equipe
e alguns palpiteiros de plantão se reuniram na casa do treinador Tio Chico para
elaborar uma estratégia que o conduzissem a vencer a Roma, reconhecidamente,
muito mais forte. Depois de uma hora e meia de discussões entre os
participantes do encontro, de muitos “vamos jogar assim”, “vamos jogar assado”,
“vamos jogar com três volantes”, “vamos no 4-2-3-1”, entre outros, sem chegarem
a um consenso, foi então que o Seu Joaquim, massagista do time, que até aquele
momento não havia falado nada, pediu a palavra. Silêncio no local para ouvi-lo:
-
Estou vendo vocês discutirem aí e estou aqui pensando. O time deles é mais
forte que o nosso, apesar de eu acreditar no empenho da rapaziada no domingo.
Porém, mais do que discutir táticas e estratégias, eu acho que neste momento
nós precisamos de uma ajuda de fora das quatro linhas do campo. Precisamos de
uma força divina. Algo espiritual que nos leve à vitória. Sabem? Na hora do
sufoco, a gente tem que recorrer a essas coisas. Sabem?
Todos
se olharam e compreenderam o recado, mas foi o Tio Chico que o traduziu em
palavras.
-
Tem razão, Seu Joaquim! Mário podes lá chamar o Pai Jorge, por favor?
Quinze
minutos depois Pai Jorge de Ogum estava na casa do Tio Chico. Era o líder do
Centro de Umbanda da Vila e padrasto do goleiro do time. Cinco minutos de
explicação dos motivos do convite e dos serviços necessários e Pai Jorge
sentenciou, para alegria dos presentes:
-
Eu faço a macumba! Vamos amarrar o time deles. O despacho está marcado. Vou
fazer de sábado para domingo. Só preciso de um uniforme da mesma cor da
camiseta que eles usam nos jogos...
-
Eu consigo igual. É preta!, gritou Alceu, roupeiro do time.
No
domingo, a frente da sede do time da Roma amanheceu com uma pomposa macumba
feita caprichosamente pelo Pai Jorge. Uma enorme galinha preta vestia uma
camisa preta e, ao seu entorno, três frascos de cachaça, dois charutos, flores,
velas e pipoca a gosto. O despacho conduziria o time da Vila do Tio Chico à
vitória. Todos passaram a acreditar nisso. Entretanto, não foi o que aconteceu.
Depois
de muita confusão para iniciar a partida, que estava marcada para as 16h, mas
de fato foi iniciar apenas às 16h30min, devido a problemas na coloração dos
uniformes, sendo que aos 17 segundos de jogo, o placar já apontava 1 x 0 para o
time da Roma. A partir daí, como se diz no jargão futebolístico, foi um
“chocolate” e a partida terminou 6 x 0 para o Roma, com direito a gritos de “olé”,
oriundos de torcedores da arquibancada. Um fiasco histórico!
No
dia seguinte, mesmo cabisbaixos e envergonhados, a diretoria do time da Vila, o
capitão da equipe e os palpiteiros de plantão se reuniram novamente na casa do
treinador Tio Chico para analisar a derrota e apontar os culpados. Meia hora de
discussões e um dos presentes tomou coragem e falou:
-
Eu acho que o Pai Jorge nos deve uma explicação. Essa derrota passa por ele.
Afinal, ele não tinha feito a macumba lá e tal? Não funcionou! Não fez efeito
nenhum!
Todos
concordaram e lá foi o Mário chamar de novo Pai Jorge de Ogum, que chegou ao
local dez minutos depois, sob os olhares de desconfiança dos presentes. Após
alguns segundos de silêncio, Tio Chico questionou, jogando o jornal da região
para Pai Jorge, que havia saído com uma foto de capa sobre o jogo, com a
chamada “Humilhante”:
-
O que deu errado, Pai Jorge?
Pai
Jorge olhou de soslaio para aquela foto do jornal, pensou um pouco e lascou
algo que até então ninguém havia percebido:
-
O time do Roma não usava um uniforme da cor preta? Foi um dessa cor que me
deram para a macumba...
Todos
correram para olhar a foto do jornal. O time do Roma havia jogado de uniforme
laranja. O motivo do atraso no início do jogo ocorreu porque o trio de
arbitragem, que era de fora da cidade, só tinha trazido uniforme preto, o que
obrigou o time da Roma, que originariamente também usava preto, a retonar ao
vestiário e trocar por um de outra cor.
A
constatação levou todos a um estado de perplexidade. “É verdade!”, “Por isso!”,
“Nem tinha notado!”, foram algumas das exclamações ditas. Tio Chico tentou
ensaiar um pedido de desculpas ao Pai Jorge, mas ele já estava saindo do local,
indignado, gritando:
-
Ainda queriam que a macumba fizesse efeito! Que jeito? Que jeito? Só perdi uma
galinha! Fizeram-me perder uma galinha! Perdi uma galinha!
Então,
todos olharam para o roupeiro Alceu..
* Jornalista e contista gaúcho.
Não foi uma questão de mágica, mas cromática.
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