A favor da independência feminina
* Por Mara Narciso
Tive uma amiga que foi minha fonte de
inspiração para toda a vida. Tive, porque a perdi. Nasceu em 1920, e aos 13
anos trabalhava num escritório de contabilidade. Pasmem, era o ano de 1933,
a minha mãe nem tinha nascido e ela já trabalhava em uma área tida, ainda
hoje, como masculina. Os números atraem poucas mulheres, mas ela estava lá. O
seu pioneirismo serviu para desbravar uma estrada difícil para nós que viríamos
a seguir. Foi profissional brilhante, casou-se, teve quatro filhos, separou-se,
venceu. Seu nome? Ismar Ferreira, grande mulher que perdi em 19 de junho de
2010, pouco antes dos seus 90 anos.
A minha mãe, Milena Narciso, formou-se
em medicina aos 40 anos em 1974. Naquela época, ainda se formavam poucas
mulheres na área médica. A revolução sexual já andava longe, mas ela era
submetida à pressão masculina da qual, apenas muito depois, conseguiu se
desvencilhar. Foi outra mulher que deu força às suas contemporâneas e
descendentes. Dia 28 de janeiro completa-se 11 anos que ela partiu.
O que nos restou, mulheres nascidas na
segunda metade do século passado? Quando a situação aperta, lembramos em como
as nossas avós foram felizes em suas medíocres vidas, entre a cama e o fogão.
Precisavam servir, atender e obedecer aos seus maridos infieis, estar grávidas
por quase todo o tempo da juventude, que poderia ir dos 15 aos 45 anos, e gerar
de 10 a 20 filhos, às vezes mais, como minha bisavó Florisbela de
Souza Lima que teve 24 filhos. O grande problema era ter força física para
lavar, passar, arrumar, cozinhar, costurar, olhar um monte de menino,
amamentar, e algumas também cuidar da roça. No geral, era preciso suportar a
indiferença e infidelidade do marido, fatos institucionalizados. Eram desconsideradas
como pessoas pensantes.
A mulher de hoje é livre, autônoma e
independente, mas nem sempre respeitada em sua individualidade. Quando se fala em
Dia Internacional da Mulher, que eu detesto, ou Delegacia da Mulher, se
pensa que homenagens e proteção adicional poderiam ser desnecessárias para a
mulher atual, dona da sua vida e do seu destino. Mas, não são. As casadas,
mesmo que neguem, precisam passar pelo crivo dos seus maridos, em vários
aspectos, especialmente do ponto de vista profissional, senão o casamento
acaba. As divorciadas, mesmo as independentes financeiramente, como boa parte
delas realmente é, acabam, mesmo sem permitirem, sendo sabatinadas e julgadas
por amigas e parentes nas suas decisões e ações. Cortam amarras a facões, mas
continuam ligadas ao veto, à crítica, ainda que protestem, não levem em conta e
desprezem tais opiniões. No final continuam sentindo-se analisadas e de alguma
forma conduzidas por quem acha que é de direito opinar.
Quem conta uma história pessoal, abre a
guarda e, indiretamente pede palpite. As pessoas comuns dão suas opiniões e
fazem suas restrições, mesmo quando não solicitadas. Então as amizades azedam.
Nesse particular, mesmo nas grandes cidades o cerco continua mais suave em
relação aos homens. Julgamentos quanto à aparência física, trabalho, condutas
sociais ou sexuais são mais benevolentes com o gênero masculino. Dificilmente
se exige do homem alguns cuidados físicos, além da higiene. O cabelo branco, a
flacidez, a barriga grande, a ruga, são tradicionalmente mais tolerados no
homem que na mulher. Pouco se diz se um homem troca constantemente de namorada.
Ter prejuízo financeiro para a mulher foi burrice, para o homem foi
contingência. A mulher, mesmo a discreta, por mais que sapateie, terá sua vida
devassada, analisada, comentada, principalmente pelas outras mulheres. Nesse
detalhe, as redes sociais escancararam a vida de todos. Não quer se mostrar – e
boa parte quer - então não crie um perfil, pois, num clique se pode saber muito
mais do que você quer deixar ver. As ideias, conexões, imagens, o que é
comentado, os temas que lhe despertam maior interesse, levam o outro a deduzir
coisas, criar uma imagem que pode não ser a que você gostaria que circulasse.
Ainda que repita o mantra “eu não estou nem aí para nada”, está sim. Então, por
que se exaspera diante de uma reles opinião oposta a sua, a ponto de deletar e
bloquear um contato? Pessoas, que tal crescer?
Ao homem ainda se permite mais
liberdade do que à mulher, por mais que as jovens e mais modernas neguem. Não,
não quero ser como os homens. Quero ser mulher feminina, forte, resistente, que
possa chorar quando a dor for grande, e, principalmente quero ser livre para as
tomadas de decisões. Quero ser autônoma, estudar e aprender, errar e acertar,
trabalhar e vencer, ser mãe, amar, ser feliz e infeliz, e nunca ter de me
arrepender de nada, nem por ter sido, nem por ter feito, muito menos por ter
quebrado a cara, pois quebrar a cara também é viver. E o mais importante, que
eu não precise ter alguém ao meu lado para ser respeitada. Estar só pode ser
uma opção, e não uma declaração de incompetência. Ao homem, isso nunca é
cobrado.
O que não quero? Que se façam deduções
baseadas em metade da verdade, pois a verdade é uma só, e é inteira.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Lucidez feminina, em estilo direto e claro. Bravo, doutora.
ResponderExcluirMarcelo, fui pegando minhas impressões do mundo vida afora, e conclui que ainda há muito que melhorar. O que depende principalmente de nós mulheres. Obrigada, amigo, pela presença e elogio.
ExcluirParabéns Mara,pela maneira como expôs seu ponto de vista, também sou muito solidário à real independência feminina.
ResponderExcluirAgradecida, Anthero. Precisamos buscar com atitudes o respeito mais concreto ao gênero feminino.
Excluir