Nem tão casual assim...,
* Por Cecília
França
Sempre ridicularizara os
esbarrões casuais, em locais públicos, quando pessoas que não se vêem há
séculos se reencontram – cenas freqüentes de novelas. Foi preciso que
acontecesse com ela.
- Ai, desculpa! – disse,
assustada, após esbarrar em um homem dentro da livraria. Para sua surpresa, não
se tratava de um ilustre desconhecido.
- Olá Júlia, há quanto tempo!
Não pode ser.
- Olá Vitor, como vai? O que está
fazendo por aqui?
- Vim conhecer a nova loja, sou
amigo do proprietário.
- Ah, que coincidência te
encontrar depois de tantos anos.
Mal sabia ela que o encontro não era tão casual assim, já que ele a
vira de longe e se postara, justamente, ao seu lado.
- Vi o seu livro, dia desses, na
livraria, disse ele.
- É mesmo? E o que achou?
Não diria a verdade.
- Na realidade, li apenas a
orelha, e quando percebi que se tratava de um romance resolvi não comprar. Você
sabe que não é o meu estilo predileto – e acrescentou – com todo respeito.
- Eu sei disso, não esperava que
você lesse. No entanto, gostaria de ter a opinião de alguém com um gosto tão
apurado –, ironizou. - E o seu livro, publicou também?
- Não, não tive tanta sorte
quanto você.
A resposta veio acompanhada de um
sorrisinho zombeteiro que a fez lembrar o quanto ele era insolente e
mal-educado, quando queria, e de como gostava de ressaltar sua origem humilde.
Mesmo assim, não respondeu, e despediu-se com um “até qualquer dia”.
Vitor a observou sair. Com quase
quarenta anos, ela ainda conservava a beleza e vivacidade de quando se
conheceram, vinte anos atrás. A despeito de seu ceticismo, pensou que Deus
poderia ter lhe dado aquele momento como um presente, uma nova chance de voltar
no tempo.
Questionou-se sobre o porquê de
não ter dito a ela que comprara o livro e lera todas as duzentas páginas
incansavelmente, como se elas fossem ajudá-lo a entendê-la melhor. Não
conseguira desgrudar os olhos do manuscrito que contava parte de sua vida e o
desnudava. Como ela pôde desvendar os meus sentimentos dessa maneira, questionava-se.
Ficou parado, imerso por alguns
instantes nesse pensamento, que consideraria idiota, momentos depois. Recobrou
a razão assim que se lembrou de que, para ele, Deus não existia.
* Jornalista
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