Pensamento
e linguagem
* Por Pedro J. Bondaczuk
A linguagem é, certamente, a
maior manifestação de inteligência e engenhosidade desse animal notável, que é
o homem. Sem ela, tanto o raciocínio, quanto o pensamento, seriam inúteis. Não
haveria como comunicar ambos a quem quer que seja. Acho incrível essa
capacidade de juntar ruídos que, isoladamente, soam desconexos e sem sentido,
para formar palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação
perfeita.
“Ah, mas os outros animais também
se comunicam e, muitos deles, mediante sons”, dirão alguns. De fato. No entanto
nem com a maior boa vontade do mundo podemos classificar seus urros, grunhidos,
latidos, miados, zurros e vai por aí afora de “linguagem”. O homem, todavia,
criou não apenas uma forma de expressão, mas uma multiplicidade delas
(estima-se que haja em torno de 22 mil idiomas e dialetos).
Se a fala já é um milagre da
inteligência e engenhosidade humanas, a escrita o é muito mais. A mente
privilegiada do homem criou uma infinidade de símbolos (os alfabetos), nos mais
variados idiomas falados (são raros os povos ágrafos, ou seja, sem escrita),
que, juntados, formam palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a
comunicação consolidada e preservada.
Raros são os que atentam para
esse aspecto e valorizam essa dádiva dos remotos (e engenhosos) antepassados. O
que seria do mundo sem a linguagem? Ou se essa fosse restrita a meia dúzia de
gritos, de grunhidos ou sabe-se lá do quê?
E sem a escrita? Haveria, sequer,
um arremedo de civilização? Claro que não! As grandes idéias, geradas pelos
gigantes da espécie, morreriam, tão logo estes morressem e se perderiam com
eles A cada geração, teríamos que
começar tudo de novo, do zero na coleta de conhecimentos, informações,
descobertas e experiências.
Não haveria a História. A
Literatura, obviamente, não existiria, pois é, até por definição, o manejo das
letras. Talvez houvesse alguma outra forma de arte, mas se houvesse, seria
sumamente selvagem e rudimentar. E, provavelmente, até isso se perderia na sucessão
de gerações. Filosofia? Nem pensar! Os pensamentos seriam gerados, mas se
tornariam estéreis, inócuos, inúteis, por falta de expressão. Seria o
caos!
Isso não quer dizer que a
linguagem consiga, sempre, expressar com fidelidade o que se pensa. Ela esbarra
em suas próprias limitações. Se falando, já não conseguimos ser absolutamente
claros e fiéis ao que pensamos, escrevendo somos muito menos, pois temos que
atentar, para a sua expressão, às regras de grafia, acentuação, pontuação,
enfim, às gramaticais (isso em qualquer das dezenas de milhares de idiomas e
dialetos existentes), e também ``as de estilo, para tornarmos minimamente
compreensível o que queremos comunicar.
Essa infidelidade levou o
filósofo e diplomata francês, Henri Bérgson, a constatar: “Falhamos em traduzir
exatamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder
medir-se com a linguagem”. Nessa batalha pela expressão, o primeiro é muito
grande e a segunda extremamente pequena para ombrear-se a ele. Terá, ainda, que
evoluir muito para se aproximar minimamente da exatidão.
O pensamento nasceu primeiro,
muito, mas muito antes mesmo da linguagem e é, na verdade, seu gerador.
Prescinde dela para ocorrer. Mas depende dessa manifestação tão frágil e
imperfeita da inteligência e engenhosidade humanas para se expressar.
Chego a essa conclusão baseado,
principalmente, em minha experiência pessoal. Tenho, por exemplo, lá um belo
dia, uma idéia que em tudo me parece perfeita e até genial. Resolvo comunicá-la
pelo meio de expressão que mais utilizo para esse fim: o texto. E começa,
então, uma luta inglória com o léxico.
Ora é uma palavra que me parece
inadequada para expressar o que pretendia e que, consultando o dicionário,
descubro ser a melhor que existe para declinar aquele pensamento; ora é um
termo que na hora da redação me foge da memória e que substituo por outro que
não tem a mesma exatidão e assim vai. Quando termino de escrever, aquela idéia
inicial, que me parecia tão perfeita (e era), está desfigurada, destroçada, totalmente
comprometida, não passando de mera caricatura da original.
Não raro, parto para um segundo
texto, na tentativa de esclarecer o primeiro. O resultado, todavia, não é
melhor. Redijo um terceiro, um quarto... e, quando me dou conta, escrevi todo
um livro (por exemplo, “Cronos & Narciso”, que está à venda), para
comunicar um pensamento que poderia ser comunicado com meia dúzia de palavras
(quem sabe, até com uma única, se esta existisse), para meu desespero e
frustração. Por isso, não há como não concordar com Bérgson: a linguagem não é
páreo para se ombrear com o pensamento. E, no entanto... é magnífico feito da
inteligência e engenhosidade humanas...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Partes deste seu texto eu sei de cor. Fez parte do meu Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo. Adoro o tema, que foi por você exposto de maneira agradável e clara. Só posso concordar com o que escreve, especialmente a parte final em que diz que pensamos de forma harmoniosa e até brilhante, mas não conseguimos escrever no mesmo nível do pensamento.
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