Palavra
e objeto
* Por Pedro J.
Bondaczuk
O escritor sul-africano Stuart Cloete, em seu
excelente romance “Balada Africana” (transformado em filme, que passou batido,
pelo menos aqui no Brasil e pouca gente teve a oportunidade de ver), adverte,
em determinado trecho do livro: “É preciso que não haja confusão entre a
palavra – isto é, o nome – e a coisa em si. Nada – nem sequer um lápis – pode ser
completamente descrito. A palavra, o nome, são apenas aproximações que
transportam idéias associadas”.
Muita gente comete esse tipo de erro e induz os
incautos ao mesmo engano. Meras descrições dão, apenas, pálida idéia dos
objetos descritos. Para sabermos como, de fato, eles são, é indispensável que
os “vejamos”. Pessoas que nascem cegas, por exemplo, e dependam exclusivamente
que outros lhes descrevam as coisas mais comezinhas e banais, formam idéias
muitas vezes distorcidas e equivocadas delas.
Um
dos equívocos mais comuns que tenho testemunhado refere-se à palavra “poesia”.
Há quem confie, sem restrições, numa tal de “inspiração” e se esqueça do seu
essencial complemento, a transpiração, o domínio vocabular, o pleno
conhecimento do idioma, para se compor um poema que preste e que, mesmo que
remotamente, mereça esse nome. E são muitos os que pensam assim.
Não
há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres vivos e nem no universo.
Ela não é como os frutos maduros de uma árvore cujo único trabalho que tenhamos
seja o de colhê-los para o nosso deleite e satisfação e dos que queiram, saibam
e possam apreciá-la.. Não é assim que as coisas funcionam.
Tudo
o que nos cerca é o que é, para nós e para qualquer outro. Há poesia (ou não
há) somente dentro de nós. Ela nasce (ou não nasce) em nosso íntimo, na maneira
como nos encaramos e a tudo o que nos rodeia: pedra ou água, treva ou luz,
pessoas ou flores, insetos ou animais.
É
da nossa sensibilidade e talento que nascem as metáforas, os versos, as rimas,
a métrica, enfim, o poema. O poeta é um criador, que do barro imundo molda
transcendências. Fá-lo, porém, com palavras. Torna razoavelmente concreta uma
visão interior, um conceito, uma emoção, um sentimento. E raramente se satisfaz
com o produto final, com o texto concluído.
Isso,
todavia, não é inspiração, como tantos pensam. Esta não passa de um relâmpago,
de um lampejo, de uma fagulha, de brevíssimo clarão, que nos sugere “apenas”
determinado tema ou, quando muito, uma ou duas palavras pertinentes ao poema
que se pretenda compor. Nenhum, nunca, em circunstância alguma, já nasce
pronto. Tem que ser composto. Fôssemos depender, apenas, da tal da inspiração,
não haveria poesia alguma no mundo.
Até
quem não tem talento para o gênero, pode ter, vez ou outra, essas fugazes
“faíscas”. Todavia, se não forem talentosos, se não contarem com vasto
vocabulário, se não tiverem a poesia em seu interior, por mais transpiração que
venham a apresentar, não comporão poema algum.
A
poesia é, dos gêneros literários, o mais incompreendido, complexo e,
simultaneamente, o mais tentado, apesar de ser, também, o mais perigoso, por
levar o indivíduo sem autocrítica, com extrema facilidade, ao ridículo.
Há
quem pense, por exemplo, que se limitando a rimar “amor” e “flor”, “varonil”
com “Brasil” e fazendo outras tantas rimas, ainda mais óbvias – que qualquer
criança recém-alfabetizada é capaz de perpetrar – estará compondo uma
obra-prima, que rivalize com as produções de um Mário Quintana, Carlos Drummond
de Andrade, Cecília Meirelles ou Manuel Bandeira. Claro que não estará. Daí
para o ridículo, nem é preciso destacar, é mero piscar de olhos, ou nem isso.
Ademais, sequer é necessário rimar coisa alguma para se compor um poema.
Reitero,
portanto: não há poesia latente nas coisas, pessoas, paisagens e outros seres
vivos e nem no universo. Ela não é como os frutos maduros de uma árvore cujo
único trabalho que tenhamos seja o de colhê-los para o nosso deleite e
satisfação e dos que queiram, saibam e possam apreciá-la.
Mauro
Sampaio expressa tudo isso neste poema intitulado “Poesia”:
“Não
há poesia.
É
apenas o Universo.
A
árvore é árvore e o pássaro é pássaro.
Apenas
a poesia da árvore ou do pássaro
em
cada um de nós”.
Este,
sim, foi um poeta magnífico e exemplar, que nunca se fiou nessa balela de
inspiração. Tinha e esbanjava talento e cultura e fazia o que queria com as
palavras (que conhecia como poucos), com a habilidade de quem de fato conhece a
atividade. Sobretudo, tinha poesia dentro de si!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Talento para fazer poesia é um sopro, e pouco se fala sobre outro talento, que é o de entender poesia. Esta, não se explica, mas sem um mínimo de entendimento - e isso pode ser muito difícil para várias pessoas - a poesia subsiste, mas poderia ir além, alcançando mais gente.
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