Torcedor ou consumidor?
O comentarista dos
canais ESPN, Mauro Cézar Pereira, trouxe à baila, dia desses, no excelente
programa “Linha de Passe”, uma questão que sempre me incomodou, mas que nunca
me dei conta de identificar e de caracterizar. Comentando sobre freqüentadores assíduos
dos estádios, apontou dois tipos básicos de torcedores: os que assumem a
postura de “consumidores” e os que torcem de fato, sem restrições, para seus
times de coração. Os primeiros acham que porque pagam ingressos – e,
convenhamos, esses são caríssimos para o atual nível técnico do futebol brasileiro
– têm direito de protestar contra tudo e contra todos. E têm mesmo. Só que seus
protestos, frequentemente, são voltados contra objetos errados. Investem contra
os times, para os quais alegam torcer, e nos momentos mais inadequados e
inoportunos de agir dessa maneira. Fazem-no quando estão em dificuldades,
jogando mal e em desvantagem no placar. Com isso, tornam-se aliados dos
adversários, não raro até decisivos. .
Deveriam protestar,
sim, mas, por exemplo, contra os preços dos ingressos, proibitivos quando se
leva em conta o desconforto dos estádios e a má qualidade dos jogos. Seria
lícito e providencial se o fizessem contra a violência, sobretudo das torcidas
organizadas, fenômeno que merece comentário separado, que me proponho a fazer
oportunamente. Têm todo o direito do mundo de exigir facilidades de transportes
para as praças esportivas, e não esses precários e inseguros que lhes são
proporcionados, estacionamentos apropriados e seguros para seus carros,
banheiros limpos, bares que primem pela higiene e que não cobrem preços
escorchantes pelos produtos que vendem, etc.etc.etc. Contra tudo isso, porém, é
o que eles menos protestam. Em geral, nunca o fazem.
Basta, porém, que o
time a que pretensamente torçam cometa algum deslize técnico em campo, se desmancham
em impropérios, vaias e outros tipos de manifestações hostis. Não raro, “marcam”
determinado jogador, ao qual hostilizam a partida toda, por razões que só eles
poderiam explicar (ou não). Para este torcedor, que assume postura de “consumidor”,
nada presta no seu suposto time de coração : o elenco é fraco, o técnico é
burro, o clube é dirigido por incompetentes e não tem representatividade nos
bastidores e vai por aí afora. Isso, quando está ganhando, mesmo que às duras
penas. Imaginem quando coleciona derrotas e mais derrotas. Ou seja, embora esse
“consumidor” não perceba, e até negue, ele na verdade engrossa a torcida
adversária. E é quase sempre eficaz na tarefa de desestabilização da equipe a
que alega torcer.
Esse tipo irrita-me
profundamente. Afastou-me, há tempos, dos estádios. É conhecido, nos meios
futebolísticos, como “corneta”. Felipão, quando era treinador do Palmeiras,
apelidou esses torcedores-consumidores palmeirenses de “turma do amendoim”. Deixei de freqüentar o estádio da Ponte Preta,
meu time de coração, por causa dessa espécie de chato. Em vez de me divertir,
estava me estressando, ao ver tais cornetas dos infernos desestabilizando meu
clube. Agora, prefiro acompanhar os jogos pela televisão a cabo. Não considero essa
atitude a ideal do torcedor de verdade – do que apóia seu time de forma
incondicional, principalmente nos momentos em que ele mais precisa: o das dificuldades
Este, quando protesta, o faz
racionalmente e apenas após o término do jogo, e se houver motivos claros para
isso, para não dar munição de graça aos adversários. Mas, agindo assim,
livro-me, pelo menos, dos chatos de plantão.
Esse torcedor, que
assume a postura de “consumidor", trata o futebol de maneira equivocada.
Encara-o como peça de teatro, por exemplo, ou como produção cinematográfica, ou
como exibição circense ou como qualquer outro tipo de evento, notadamente
artístico. Se a modalidade tivesse essas características, teria, sim, todo o
direito de cobrar qualidade. Só que futebol, a paixão do brasileiro, é um jogo.
Está sujeito, portanto, às circunstâncias de momento. Nenhum time “ensaia” como
a partida deva se desenrolar, segundo algum roteiro predeterminado, do qual não
se possa fugir. O futebol não é assim. Insisto, é um jogo no qual o improviso
tende a ser mais eficaz do que planejamentos prévios Aliás, se fosse como peça
de teatro, em que o final teria que ser, necessariamente, sempre o mesmo, não haveria
a menor graça. Seu atrativo é, exatamente, a incerteza do resultado.
É possível que o leitor
discorde das minhas colocações, arrolando uma série de argumentos para rebater
o que escrevi. Respeitarei, óbvio, suas discordâncias. Mas ficarei torcendo
para que, ao assistir a algum jogo do seu time, ou mesmo da Seleção Brasileira,
tenha, ao seu lado um desses enjoados cornetas. Pior, que tenha de suportá-lo
por duas horas ou mais desfazendo-se em críticas, vaias e xingamentos (vestindo
a camisa da equipe para a qual você torce), azucrinando seu ouvido, mesmo que
sua agremiação esteja vencendo. A menos que esse leitor seja masoquista, e
adore sofrer, duvido que não terá a mesma reação de irritação que eu tenho
quando cruzo com esse tipo. Nesse aspecto, invejo o torcedor argentino, que dá
aulas de como se deve torcer, mas torcer de fato, para o seu time.
Boa leitura.
O Editor
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