Relatório final da morte do Padre Henrique
* Por
Marco Albertim
28 de maio de 1969,
dois dias após o assassinato de Padre Henrique, o investigador de polícia da
Delegacia de Segurança Social, Ayrisson Amorim, dá conta da escuta do 25513,
número do telefone do Juvenato Dom Vital, onde o arcebispo D. Helder Câmara
despacha com seus auxiliares. No "quarto de serviço de 6 as 12
horas", escreve ao "Comissário Chefe da Delegacia de Segurança
Social":
"Levo ao
conhecimento de V. S. para os dividos fins (...)"; por certo o afã de se
mostrar zeloso encobre o descuido quanto à ortografia. Está no ponto de
largada. A propósito de conversa entre D. Helder e padre Lamartine, segue:
"Don Euder, disse-lhe que se devia ter muito cuidado(...)"; afora o atropelo
de separar o arcebispo de um inferior seu de sua estima, com uma canhestra
vírgula, desfibra o nome do religioso da consoante que também o acudiu na fama
de opositor ao regime militar. "Finalisando", acrescenta que,
conforme D. Helder, padre Lamartine deve falar com o delegado Moacir Sales,
"de batina para imprecionar melhor." Atento, certo de que seu chefe
terá convulsão nos olhos de tanto contentamento, arremete sem dó nem piedade:
"A irmã Conceição (...) falou com o Monsenhor Arnaldo, pidindo ao mesmo
para celebrar uma missa no Pencionato(...)".
O investigador sente
que está nos momentos finais de sua performance. Na vigésima oitava linha e na
seguinte, de um total de trinta e seis, por certo ainda sentindo falta de sua
"finalisação" no primeiro parágrafo, soma: (...) hoje as 20 horas
iria se realisar no Juvenato Don Vital, para os padres: a pessôa que telefonou
disse éra muito emportante."
O Juvenato Dom Vital
era na Rua do Jiriquiti, frequentado pelo padre Henrique. Mas o investigador
Ayrisson Amorim não acredita, posto que subverte os arquivos da prefeitura:
"O citado Juvenato fica localisado na Rua do Geriquiti."
A escuta telefônica era
feita nas instalações da Companhia Telefônica de Pernambuco - CTP. O
investigador dá a sua peça o título de Parte do Serviço. A expressão grotesca
hoje se presta ao ridículo, e instiga a uma peça literária no gênero conto.
Talvez o único legado que o investigador deixa à história.
Conforme a conclusão do
relatório da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, os
responsáveis pelo sequestro e morte do padre Antonio Henrique são os
investigadores de polícia, Rível Rocha e Humberto Serrano de Souza (falecidos);
o promotor público e também diretor de Investigações Criminais da SSP, José
Bartolomeu Lemos Gibson; o primo deste, então com 17 anos, Jerônimo Duarte
Rodrigues Neto (vivo); e o então universitário Rogério Matos do Nascimento.
Em junho de 1969, o
então governador Nilo Coelho institui uma Comissão Judiciária de Inquérito,
cujos trabalhos ocorrem numa sala da SSP, e em seguida no quartel da Polícia
Militar. Ao fim, o promotor Massilon Tenório firma denúncia contra apenas
Rogério Matos do Nascimento. O juiz Nildo Nery dos Santos não prolata a
sentença de pronúncia, por entender que o caso é de competência da Justiça
Federal. A JF, inda que reconhecendo em Rogério Matos o único responsável pelo
crime, devolve o processo. Mas Rogério Matos é impronunciado mediante outro
recurso de sua defesa.
Em 1988, para evitar a
prescrição do crime, o Ministério Público oferece denúncia-crime contra o
procurador de Justiça, José Bartolomeu Gibson, os policiais civis, Henrique
Pereira da Silva (vulgo X-9) e Rível Gomes da Rocha. A denúncia foi recebida
pelo juiz Nildo Nery dos Santos. O Tribunal de Justiça de Pernambuco decide
pelo arquivamento da Ação Penal; por unanimidade.
*Jornalista e escritor.
Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife.
Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do
concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em
concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite,
integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”.
Tem três livros de contos e um romance.
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