Original e cópia
* Por Daniel Santos
Noutro
dia viram Glenda na porta do cinema. Trazia um pulôver sobre os ombros e comia
pipocas de maneira quase displicente como uma dessas que têm as tardes livres,
enquanto olhava fotos do filme em cartaz.
Embora
ainda bela, nem de longe lembrava a modelo que, apenas meses atrás, despontara
em passarelas do mundo inteiro e estampara seu rosto na capa das principais
revistas de moda, para o deslumbre de todos.
Sua
expressão de máxima ansiedade sugeria que esperava eventual acompanhante, mas
quem testemunhara o declínio de sua carreira não se enganou: sozinha no cinema,
Glenda era simples fã da atriz principal.
Desde
que deixara o mundo dos desfiles, refluiu rapidamente ao anonimato e parou de
lançar moda. Ninguém mais seguia seus passos. Ao contrário, ela, sem o anterior
prestígio, é que se espelhava na tal artista.
A
ruína – entende, agora – começou na noite em que trabalhou madrugada adentro, enquanto fotógrafos
registravam detalhes de seu rosto e de seu corpo, logo reproduzidos por
softwares de escusas intenções.
É
que, a partir desses detalhes, deram à original Glenda novas formas com
inéditas tonalidades. As cópias proliferaram à sua revelia e com maior sucesso
que a matriz – afinal, obsoleta, sem autoridade.
Desde
então, persegue quem lhe vai na vanguarda, e não apenas em virtude da ânsia
veloz em que se intrometeu. Pretende, ainda, uma revanche contra quem lhe
furtou os signos de uma novidade; hoje, fato.
Mas
não sucede. A quem atacar? – cisma, enquanto observa entre satélites que
imagens de si mesma (umas ruivas, outras louras, negras até!) dispersam-se pelo
cosmo como estrelas aflitas que se sabem fugazes.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Mais longa que o habitual, com alto grau de dramaticidade. Estranho caso de o original se tornar pior que a cópia e por isso mesmo obsoleto.
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