Chegaremos a ser humanos?
* Por
Elaine Tavares
O racismo é uma coisa
brutal. Alguém é considerado inferior apenas por conta da intensidade de sua
melanina. O racismo não é algo natural. É coisa construída, em nome da
necessidade de poder. Na Europa, o
racismo se consolida com as grande invasões do 400, quando portugueses e
espanhóis singram os mares em campanhas de conquista, depois seguidos por
outros povos da região. Assim, eles invadem a China, o Japão, a Índia, Abya Yala, a África inteira... Discriminam os
amarelos, os azuis, os vermelhos, os negros. Chamam de seres inferiores,
simplesmente porque não são como eles. Com isso, justificam a dominação, a
escravidão, o extermínio. Visão grega de mundo, na qual só o igual é ser. Os
demais são não-seres. Portanto, passíveis de destruição. Toda a cultura e
história milenar desses povos dominados são ignoradas.
O tempo passa, o
colonialismo daquele então se acaba, mas as marcas e a herança maldita seguem
vivas. Hoje, na Europa, depois de terem destruído a vida de milhões e milhões
de pessoas, com a invasão e o massacre, as gentes ainda são capazes de
discriminar africanos, asiáticos, árabes e latinos, apenas porque eles são quem
são. Nada mais. Essa gente sequer se dá conta de que seus países são
responsáveis por toda a pobreza e miséria na qual vivem esses povos, na
periferia do sistema capitalista. Ainda assim, rechaçam, matam, humilha,
violentam, massacram. No Brasil não é diferente. O ódio contra índios e negros,
que teve sua origem na invasão portuguesa, segue com a mesma força. E isso se
vê todos os dias, em pequenos gestos, comentários racistas, atitudes
discriminatórias.
Agora, vejo um campanha iniciada pelo jogado Neymar,
que alude ao gesto de um outro jogador brasileiro - vítima de racismo - que
resolveu agir sem alarde diante de uma banana jogada a seus pés, comendo-a,
como a dizer: fodam-se, racistas! O ato do jogador, nem discuto. Como branca, é
incognoscível para mim saber o que pode ter sentido esse rapaz, assim como
tantos outros negros submetidos a momentos de humilhação, sistemáticos, constantes,
dia após dia. Talvez tenha sido um esgotamento, um ódio surdo. Não sei.
O que me causa espécie
é a atitude de tantos outros brasileiros, na tentativa de se solidarizar com o
atleta que hoje vive na Espanha, possivelmente por estar submetido - sem chances
de escapar - a essa forma de escravidão moderna que é o futebol. Não creio que
a melhor saída seja se fotografar com bananas, aludindo que "somos todos
macacos". Não o somos. Nem nós, os brancos, nem eles, os negros. Somos de
uma triste espécie, frágil e fraca, chamada humana. Uma espécie que só
conseguiu sobreviver até agora porque há uma parte de seus indivíduos que
coopera e se solidariza no processo de construção da vida. Uma parte que
consegue manter o equilíbrio apesar de outra parte insistir na destruição e no
egoismo.
Fico aqui, agora,
depois de ler, entristecida, uma matéria sobre um povo negro, do Quilombo São
Roque, que teve de jogar fora centenas de quilos de semente, porque está
proibidos de plantar em sua própria terra ancestral. Condenados á miséria, ao
abandono. Não são macacos, são humanos. Vejo também, no facebook, os cartazes
distribuídos em algum lugar desse nosso triste Brasil que dizem que os índios
são "atrapalhos" ao progresso, incitando assim o ódio e a violência contra
os parentes de todas as etnias. E os índios tampouco são macacos. São humanos.
Então me dá um cansaço,
um esgotamento, um ódio. E me deixo ficar na impotência. Não há o que dizer
para quem não quer escutar. A solidariedade ao povo negro, aos índios, aos que
nos aparecem como diferente não precisa de fotos no facebook. Precisa de ações
concretas, na vida cotidiana.
Nietzsche, ao criticar
o mundo moderno, dizia que somos humanos, demasiado humanos... Mas não sei, se
um dia chegaremos, como raça, a cumprir esse designo!
* Jornalista
de Florianíopolis/SC
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