As bondades andam opacas
* Por
Mara Narciso
Um turbilhão de
assuntos maus cai sobre as pessoas, continuamente. Quando há assassinato de
criança e o suspeito é o pai, sentimentos vários povoam a mente da população.
Vêm os sentimentos de impotência, sentimo-nos penalizados pela vítima e com
desejos de justiçar o acusado. São tantos os questionamentos. Enquanto pais
descartam seus filhos naturais, outros se tornam pais e mães pela via da
adoção, depois de acidentada jornada.
Jogam-se filhos pela
janela, aplicam-lhes doses letais de insulina, espancam, torturam, estupram,
queimam, fazem sumir. Ou pessoas paralelas, por inveja, matam para se vingar
dos pais. Há quem queira adotar e torture o objeto do seu desejo. E sai livre,
para asco de quem vê a notícia. Quem é assim não merece a denominação humana. E
nenhuma outra.
Pessoas fecham a porta
da casa, deixando o cachorro ao sol e ao relento, quando o animal está velho e
se tornou um incômodo. Ou envenenam o cão do outro por vingança ou por mera ruindade.
Por outro lado, há quem encontre um animal doente, atropelado ou com feridas e
o acolha. Gasta tempo, dinheiro e dá-lhe amor. O animal se recupera, fica na
casa e demonstra gratidão. Ou alguém pega um saco jogado no meio da estrada. Lá
dentro tem duas cachorrinhas mal desmamadas. Foram abandonadas para serem
atropeladas. Mas são salvas. Muitos têm um amor deste tamanho para dar para
animais e para pessoas. Tais gestos não ganham as manchetes. Parecem menores,
mas nos fazem não desistir da raça humana.
O casal de moradores de
rua tem uma filha pequena. Foi gerada no uso do crack. As condições mentais dos
dois causam pena. Estão sujos, magros, desvairados, e nem conseguem se lembrar
que tem uma criança ali. Num momento de maior loucura, a mãe aperta o pescoço
da menina, mas uma mulher, que corajosa chega junto, vê a cena, e negocia com a
mãe, levando a criança com ela. Pelas vias legais a adota, pois já estava
instalado um vínculo afetivo entre as duas, quando a mulher decide procurar a
lei. O juiz é compreensivo, e os documentos são feitos. Muitos conseguem fazer
essas grandezas, enquanto outros, agarrados ao seu comodismo, não aceitam
perder nada, nem mesmo uma noite de sono.
Um lar, um casal
equilibrado, e um vazio dentro dele. Sentem necessidade de serem pais,
precisam, urgem por isso. Não conseguiram pelas vias comuns. A vontade cresce
dentro dos dois e após os trâmites legais de apresentação de documentos, cursos
e preparação, entram na fila nacional de adoção. Acontece nessa espera uma
autêntica gestação, uma idealização, dentro daquilo que o casal especificou e
que é o desejo dos dois. Então, um dia, têm diante deles uma criaturinha
frágil, cheia de carências, e o casal tem medo, naquele instante de tanta
emoção, coração acelerado, mãos trêmulas e alma inundada de amor. Esse encontro
monumental não sai em cadeia nacional. Quem quer ver a eclosão de um amor
gestado, esperado, no momento em que se consagra? Mas é muito bom vê-los, estar
diante daqueles pais e daqueles filhos. O elo está selado até a morte.
O que era desejo vira
realização, o que era imaginário ganha imagem, o que não passava de suposição
vira realidade. Agora é cuidar, tomar conta, prover, fazer tudo que um pai faz,
e esperar que o filho seja o que se espera de um filho. Assim como não se
escolhe personalidade, temperamento nem saúde dos pais, também não se escolhem
essas características nos filhos. Sejam eles biológicos ou filhos pela via da
adoção, são o que são, e tem-se de cuidar deles do melhor modo, fazendo-os
gente de bem, amados e ajustados socialmente. Falhas não são desejadas, mas
soluções vão surgindo à medida que os problemas acontecerem, caso aconteçam. É
assim em todas as famílias.
Criança e cachorro
estão aqui alinhados porque os donos e os pais podem se sentir equivocadamente
proprietários da vida e da morte deles. Está bem, ler lições é desagradável.
Para isso nós temos a escola, mas para maior harmonia é preciso aceitar as
pessoas, respeitá-las, ouvi-las, considerando suas opiniões de gente capaz,
sejam crianças ou adultos. E os animais? Eles sentem como gente e precisam ter
seu cantinho físico e no coração dos donos. Que não se apresente para ser pai
de uma criança e nem a ter um cãozinho, quem não tenha competência para tal. A
lei olha por eles.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Mundo estranho e incoerente esse nosso. Onde há sangue e carnificinas, todos os holofotes; onde se faz o bem, de forma heróica e desinteressada, nenhuma testemunha... Grande abraço, amiga Mara.
ResponderExcluirSerá que esqueremos o que é o amor? Eu sinto isso tanto, por isso tenho esperanças. Obrigada pela passagem e comentário que acrescenta muito.
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