Carro
novo
* Por Rodrigo
Ramazzini
Uma das coisas
que mais fascinam os homens são os carros e esta paixão entrou cedo na vida de
Mateus. Quando ainda criança acordava cedo nas manhãs de domingo para assistir
as corridas do Ayrton Senna pela Fórmula 1 e aquele dia 21 acrescentaria mais
uma página na sua história de relacionamentos com os “possantes”, quando
eufórico entrou em casa e anunciou para a família:
- Acabei de
fechar negócio! Estou de carro novo!
- Comprou um
carro zero?, perguntou um tio.
- Não! Mas,
pulei seis anos. Comprei um Corsa 98, quatro portas... Vou buscá-lo daqui a
pouco!, respondeu, sem sentir a ponta de ironia na questão.
Para concluir a
negociação, Mateus deu o “velho companheiro” como chamava um Voyage 92 a
álcool, que estava sob sua propriedade há dois anos, e financiou a diferença de
valores entre os veículos em 24 prestações de parcelas fixas.
- Vou tomar um
banho e buscá-lo. Da revenda, irei direto para o show na praça para festejar.
Hoje é dia de comemorar a nova conquista!, comentou entusiasmado.
A data
favorecia a comemoração de Mateus, pois um show musical em uma praça
aconteceria naquela noite para comemorar o aniversário do município e tinha a
entrada gratuita. Depois do banho, Mateus admirou o seu Voyage pela última vez.
Tirou uma foto e postou no Facebook com a mensagem: “Obrigado por tudo velho
companheiro!”. Saiu de casa rumo à revenda, porém, em meio ao trajeto, pegou
dois amigos para levá-los até a praça e que teriam o privilégio de serem os
primeiros a embarcarem e viajarem em seu carro novo. Uma viagem sem custos,
afinal, eram seus convidados e estavam “duros” de dinheiro. Ainda passou em uma
agência bancária. Lá, mesmo sabendo que seria difícil e ficaria “enforcado” até
o final do mês sem dinheiro, sacou os últimos R$ 50 da sua conta. “F#d@-se!
Hoje, eu mereço comemorar a minha conquista com uma cervejada!”, pensou. Como
uma forma de mentir para si mesmo, sacou o dinheiro em um caixa eletrônico que
tinha notas “pequenas”, ficando com três notas de R$ 10, duas de R$ 5 e cinco
de R$ 2. “Assim, com mais notas, parece que tenho mais dinheiro!”, iludiu-se.
Já na revenda,
como havia previamente acertado tudo com o vendedor, inclusive, tinha
“arrancado” dele na negociação os custos com a documentação e que o tanque de
combustível do Corsa viesse cheio, Mateus pode formalizar a aquisição e encher
a boca pela primeira vez para dizer:
- Esse é o meu
carro novo!
Cheio de
orgulho tirou uma foto do carro e postou no Facebook: “Meu brinquedo
novo!”. Ele e os dois amigos embarcaram
no “possante” e em um ato de embriaguês emocional, antes de dar a partida no
motor, Mateus comentou:
- Ainda tem
cheirinho de carro zero!
Os dois amigos
apenas se olharam. Da revenda de automóveis até o local do show, o trio
percorreu cerca de 4 km no Corsa 98, em sua primeira viagem com o novo dono. Já
na praça, Mateus estacionou o carro e precavido com a segurança, alertou os
amigos:
- Não se
esqueçam de baixar os pinos das portas! Deus me livre se roubam o meu carro
novo!
O trio subiu
manualmente os vidros, baixou os pinos de travamento e desembarcou do carro
rapidamente discutindo se o Marcelo Grohe era ou não um bom goleiro para o time
do Grêmio. Em sincronia, fecharam as portas. Subitamente, um breve silêncio os “rodeou”.
Mateus olhou para os dois amigos, para a porta do carro, passou as mãos pelos
bolsos das calças e da camisa e, em um tom desespero, proferiu, colocando as
mãos na cabeça:
- Tranquei o
carro com a chave dentro. Não acredito!
Primeiramente,
os amigos caíram na gargalhada, mas depois tiveram que acudi-lo devido à
inconformidade pelo ocorrido. Passados alguns minutos, mais calmo, Mateus
lembrou-se que tinha o número do celular de um chaveiro e, por sorte, ele
morava próximo à praça. Em quinze minutos, o profissional estava no local. Nos
três minutos e cinco segundos que o chaveiro levou para abrir o carro e
“resgatar” a chave da ignição, Mateus contou-lhe, em uma velocidade de narração
de dar inveja aos narradores de futebol no rádio, a história do carro novo,
como foi a negociação, a ideia da comemoração com a cervejada, que só tinha R$
50 e etc. Finalizado o serviço, com a chave do carro em mãos, Mateus questionou
o chaveiro, em um tom humorado:
- Quanto saiu
o serviço, meu chefe?
O chaveiro
balançou levemente a cabeça, como se isso ajudasse na contabilidade, olhou para
o carro, voltou os olhos para Mateus e lascou:
- Dá aí... Dá
aí uns R$ 50... Isso que é pra ti!
A expressão
facial de Mateus fechou-se instantaneamente ao ouvir o preço. “Não acredito.
Foi-se o meu dinheiro”, concluiu em pensamentos. Lentamente, puxou a carteira
do bolso de trás da calça, olhou para o chaveiro com olhos de piedade, como os
do gato de bodas no filme Shrek, tirou todo o dinheiro, deixando claro que a
carteira ficara vazia, e entregou ao chaveiro, que segurou pensativo as notas
com a mão esquerda por alguns instantes. Então, sabedor que Mateus só tinha R$
50 e o valor do seu serviço representava o fim da comemoração pelo carro novo, com
ar de compaixão, indagou:
- Qual o preço
da cerveja em latão aqui?
Primeiramente,
com os dedos da mão direita, Mateus acenou o valor de R$ 4. Depois apontou para
um cartaz de um dos trailers de comercialização de bebidas que estava próximo e
estampava o preço da cerveja e do refrigerante. O chaveiro virou-se e
visualizou os preços de R$ 4 e R$ 2, respectivamente. Pensativo, olhando o
dinheiro, ele destacou quatro notas de R$ 2 do montante e as segurou na mão. A
ação encheu Mateus de esperança e gerou uma rápida suposição. “Graças a Deus, o
chaveiro é um cara piedoso. Ele vai reconsiderar e cobrar R$ 42 pelo serviço. Com
o troco vai dar duas. Melhor tomar duas cervejas do que nenhuma!”, pensou.
Depois da
breve reflexão, o chaveiro voltou o olhar para Mateus, que já se preparava para
abraçá-lo euforicamente por causa dos R$ 8. Foi então que, mostrando consciência,
ele lascou a sentença alcançando uma nota para desespero de Mateus:
- Tu não podes
beber, rapaz! Estás dirigindo. Toma R$ 2 para um refrigerante...
J* ornalista e contista gaúcho
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