Entre
dois tiroteios
* Por Sílvio Lancellotti
Havia parado de fumar pela
milionésima vez. Naquela ocasião, do nada. Apenas, ao seu queimar o último
cigarro, do último maço, se decidira não mais comprar. Caso acontecesse uma
vontade súbita e irresistível, provocada pela maldita crise de abstinência,
filaria uma guimba de algum amigo mais tolerante e mais gentil. E assim,
permaneceu por seis meses, quando já não sofria com a tal crise e não
necessitava, sequer, da generosidade do alheio.
Começou a correr, meia-hora,
todas as manhãs. E em mais seis meses de auto-satisfação e de orgulho
gigantesco, decidiu, então, parar de beber.
Depressa descobriu que parar de
beber era muito mais difícil do que parar de fumar. À mesa do jantar, com os
amigos e a namorada, percebeu que não conseguia viver sem um aperitivo, um
vinho, sequer uma cerveja. Pior se sentia na solidão, sem a companhia de um
uísque ou de uma vodca. Daí, certa data, uma coincidência incrível o estimulou.
Ao sair de um bar da moda, ao caminhar, pela calçada, em busca do
estacionamento em que deixara o seu carro, deparou com uma portinha singela,
encimada por uma placa: AA.
Bingo, os Alcoólicos Anônimos.
Resolveu experimentar – e entrou.
Sentou-se bem ao fundo do salão,
isolado de um grupo de cem pessoas que, uma a uma, se dirigiam a um púlpito e,
muito felizes, se anunciavam:
- Meu nome é X. Sou um alcoólico.
Mas, não bebo faz 27 dias.
- Meu nome é Y. Sou um alcoólico.
Mas, não bebo faz 84 dias.
- Meu nome é Z. Sou um alcoólico.
Mas, não bebo faz 249 dias.
Sinceramente, se comoveu. Até que
um desconhecido se acomodou ao seu lado com uma estranha bacia, repleta de
cigarros, e lhe disse:
- Você quer mesmo parar de beber?
Pois se console...
Descobriu que nos AA os cigarros
funcionam como muleta. Levantou-se, sem agradecer e sem pegar um dos cigarros.
Preferiu voltar ao bar...
* Diplomou-se em
Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976,
onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”,
agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e
do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou
comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na
ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva
São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site
de Internet www.lancellotti.com.br.
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