Do
tamanho do que vejo
* Por Pedro J. Bondaczuk
O poeta português Fernando Pessoa sempre foi leitura
obrigatória, pelo seu domínio do idioma, pela agudeza das suas observações e
pela sua visão de vida que, guardadas as devidas proporções, é similar à que eu
tenho. Em geral, os que escrevem sobre ele se detêm na peculiaridade de seus
heterônimos, principalmente no fato de haver criado uma personalidade própria,
característica, para cada pseudônimo que adotou. Utilizou, portanto, uma forma
bastante original (e genial) para variar de estilo.
O que me fascina, sobretudo, nesse intelectual é o
seu senso crítico e a coragem de dizer o que em determinados momentos todos
temos vontade, mas não nos atrevemos, quando se refere a temas considerados
tabus. Tememos o ridículo. Não queremos nos expor. Tudo o que me caiu nas mãos,
escrito por e sobre Fernando Pessoa, "devorei" com deleite e atenção,
para não deixar fugir nenhum detalhe. E não apenas sua obra poética,
refinadíssima, mas até as anotações pessoais íntimas, publicadas depois da sua
morte.
Citei-o em inúmeras ocasiões, embora nunca me
atrevesse a empreender uma crítica de seu trabalho, por não me julgar preparado
para um empreendimento intelectual desse porte. Uma dessas citações, por
exemplo, é a que Fernando Pessoa enunciou, sob o heterônimo de Alberto Caieiro,
no poema "O Guardador de Rebanhos". Diz: "Da minha aldeia vejo
quanto da Terra se pode ver no Universo.../Por isso a minha aldeia é tão grande
como outra terra qualquer/porque eu sou do tamanho do que vejo/e não do tamanho
da minha altura..."
Por isso, sou avesso às cidades, em especial as
grandes. Não pelas pessoas que a habitam, já que estas há de todos os
tipos e temperamentos. Além disso, gosto de gente. Há as pessoas inesquecíveis,
as construtivas, as preciosas, de cujo contato nos enriquecemos. Existem as que
vivem e deixam viver, sem se intrometer na vida alheia. Muitas são omissas.
Algumas são perniciosas, verdadeiros erros da natureza. Outras estão apenas
desorientadas, mas apresentam um potencial imenso que, se explorado, as torna
muito especiais. E vai por aí afora. Há gente de todo o tipo e para todos os
gostos.
Portanto, não são as pessoas que me aborrecem nas
grandes cidades. É a sensação de sufoco que a limitação do meu ângulo de visão
me dá. É o barulho descontrolado, que tira a concentração. É a poluição, que
machuca os olhos e os pulmões e impede de respirar direito. É a sensação de
estar "encaixotado". O campo não é assim. Confere uma sensação de
liberdade, mesmo quando não somos livres. Em espaços abertos nos sentimos
maiores, "do tamanho daquilo que vemos".
O mesmo raciocínio vale em relação a tudo o que nos
cerca e até ao próprio Universo, que não podemos vislumbrar em toda a sua
grandeza, a não ser os pálidos reflexos que os telescópios captam. Mas os
cientistas, cheios de empáfia, acham que podem ver tudo. Pensam que enxergam os
contornos dos seus limites em expansão, quando na verdade vêem muito pouco, um
quase nada em relação às suas reais e inconcebíveis dimensões.
A
natureza, no entanto, torna-se mais compreensível quando, em vez de vê-la, a
sentimos. Tentar racionalizá-la, traduzi-la em idéias, pode redundar em belas
fantasias, mas é o método mais falho para captarmos a realidade. A criação é
fruto de sentimentos muito mais do que da razão. Fernando Pessoa observa que
"sentir é compreender. Pensar é errar".
Depende, portanto, do que queremos. Se buscamos a
compreensão, através, somente, do raciocínio, acorrentando nossos sentimentos e
policiando as emoções, estamos em um caminho equivocado, em um beco sem saída.
E o motivo é muito simples, exposto com meridiana clareza pelo poeta ao
constatar: "Sentir é criar. Sentir é pensar sem idéias e por isso é
compreender, visto que o Universo não tem idéias".
Aldous Huxley tem uma observação pertinente, que
completa esse raciocínio: "A ciência não explicou nada. Quanto mais
sabemos, mais fantástico se torna o mundo e mais profunda fica a escuridão ao
seu redor". E o físico nuclear norte-americano Steven Weinberg completa, explicando
o motivo porque alguns optam por "pensar" o universo em vez de
"senti-lo": "O esforço para entender o universo é uma das
pouquíssimas coisas que erguem a vida humana a um nível ligeiramente além da
farsa, dando-lhe algum toque de tragédia". Da minha parte, prefiro a
epopéia. E na pior das hipóteses, a comédia.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Os gênios são eternos, e difícil entender o que dizem. A gente tenta acompanhá-los de certa distância.
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