Palavras dentro de palavras
* Por
Cecília Prada
TALVEZ – ela se disse,
de repente maravilhada com sua descoberta. A única palavra possível e
necessária: TALVEZ. Possível até mesmo antes do café da manhã. Palavra-tudo:
armário, cabide, travessão e travessia. Palavra guarda-chuva. Palavra
evocativa, mediúnica, trazendo todas as possibilidades, se balançando pra lá e
pra cá, bonachona, permissiva - uma palavra que ia buscar os fios perdidos de
suas histórias. Minha avó que se balançava na mangueira quando lhe gritaram:
“Nhãna, desce já daí que tá na hora do casamento!”
TALVEZ- seus grandes
braços. Também palavra-árvore, gênese, cheia de portas e janelas e sinos
bimbalhando.
A única palavra
necessária e possível, por onde, talvez, poderia repescar seus medos e
hesitações e ir buscar tudo, sua infância, sua vida, sua galeria pessoal,
aventuras, trambolhões, encontros, desencontros – enfim. Trazer seus cacarecos
todos - pedindo desculpas por estar tudo em cacos, seus “fragmentos”, suas
“descontinuidades”, diria, se seu nome fosse Walter Benjamin.
***
TALVEZ—colocando-a,
bússola, na direção do possível. Sem a preocupação de achar o norte, bússola
doida, descumpridora de funções, sem ter de achar isso, o rumo, a palavra
certa-certinha, o ponto de vista—essa coisa sisuda, exigente e de óculos.
(Palavra que se
acompanha de um ponto de interrogação, intrínseco. E seco. Mesmo que ele não
esteja ali, palpável, retorcido como pescoço de frango depenado.)
Talvez – contar um
episódio da infância? Qual?
Ou histórias
prometidas, encantadas ou não tanto, amores? alguns pelos anos perdidos,
preservados. Outros, tentativas e esboços, entre palavras perdidas. Ou nunca
ditas – as essenciais.
***
Parou de escrever,
levantou a caneta no ar como se a retirasse de um caldeirão e a sacudisse, tão
molhada de emoção/espanto estava. Deixá-la à espera de fisgar o ar, palavras no
ar, no corredor do Tempo, enquanto os dedos ficavam difíceis, amortecidos, e o
braço estalava nas juntas.
E se não pudesse mais
escrever? Esse, era o terror. Talvez....Talvez se...Talvez então devesse...
·
(E foi juntando cada
vez mais palavras, palavras, palavras, foi produzindo ininterruptos
bilhetes,cartas, e-mails, relatórios, contos, poesia, romances, e uma grande
confusão – uma obra, enfim. Assim são os escritores. Seres que – talvez- tenham
feito das palavras todas do mundo apenas envoltórios toscos, se não rebuscados
até, onde procuram esconder sua devorante inexprimível irremediável solidão).
* Escritora e jornalista, estreou na década de 50 no jornal A Gazeta de São Paulo. Como
jornalista trabalhou em vários jornais e revistas de São Paulo e Rio de
Janeiro, e em 1980 ganhou o Prêmio Esso de Reportagem pela Folha de São Paulo.
É detentora de quatro prêmios literários e tem cinco livros de contos
publicados, dentre os quais: O caos na
sala de jantar, Estudos de interiores para uma arquitetura da solidão e Faróis estrábicos na noite, além de
vários livros sobre jornalismo. Seus contos e artigos figuram em revistas
estrangeiras e em antologias brasileiras e do exterior. Foi diplomata de
carreira (turma de 1957) do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações
Exteriores. Atualmente reside em Campinas (SP), onde termina um romance
autobiográfico.
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