Pegando pilha
* Por Rosana Hermann
Tenho um problema gravíssimo que
compromete boa parte da minha capacidade produtiva: eu pego pilha.
Pegar pilha não é uma expressão
literal, como quem cata a bateria caída ao chão. Pegar pilha no jargão
adulto-jovem do meu ambiente de trabalho é ter pavio curto, é entrar facilmente
no jogo de provocação, é não ser capaz de manter a cabeça fria e isenta quando
alguém tenta atear fogo na sua paz de espírito. Hoje, por exemplo, peguei muita
pilha e quase descarreguei todas as baterias da minha sanidade mental.
O processo começou na
segunda-feira numa conversa online coletiva, em áudio. Um participante que
conheço no universo virtual convidou um amigo para participar do papo. Quando
abri o microfone do rapaz para que ele falasse, a sala inteira notou sua
ansiedade. Não era aquela ansiedade normal que todos temos, que faz com que a
gente escove os dentes com pressa ou sinta uma angústia num congestionamento de
trânsito. Era uma ansiedade patológica, motor engato na segunda marcha
acelerando a cem por hora, com giro altíssimo, quase um pânico de falar em
público. Ele falava sem respirar, ficamos com medo que ele tivesse uma síncope
nervosa. Eram frases de três metros e meio sem pontuação, uma voz estranha, um
jeito assustador. Tentei acalmá-lo mas eu não conseguia sequer recuperar a vez
de falar. Enfim, fechei o microfone dele e esperei que os comentários maldosos
da sala de chat sumissem. Ninguém tem culpa de ter pânico ou ser ansioso. Foi o
que pensei na ocasião.
Na mesma noite, o rapaz me
adicionou em sua lista e começou a me chamar, daquele jeito que mais me irrita,
que eu mais odeio: sem parar. Travestido de bem educado e atencioso era um tal
de olá, bom dia, boa tarde, boa noite, como vai, como foi, como está, de dar urticária
até na unha. Avisei que tenho lá minhas patologias, que não gosto de ser
invadida e assim por diante. Nada. Disse a ele que se ele estava tentando ser
meu amigo ele estava pescando com um martelo. Não é deste jeito que as coisas
funcionam comigo.
Outro detalhe que não mencionei é
que ele escreve tudo muito, mas muito errado. Não é abreviado, porque até aê,
blz. É errado de forma disléxica, trocando palavras, ansioso com c, este naipe.
A coisa foi piorando. Ele começou a perguntar se eu era judia, se meu marido
era judeu e que por meu sobrenome, sabia que sim, eu era judia assim como meu
marido e que graças a D’us eu não tinha me casado com um não-judeu, coisas
assim. Aquilo me assustou e me irritou de uma forma incrível. Parti pro
conta-ataque. Comecei a pesquisar o nome dele na rede. Adolescente, dezenove
anos. Mora em São Paulo. Achei uma foto e a coisa piorou. Achei os telefones.
Liguei pra casa dele, disse que ia denunciá-lo para sua mãe ou avó. Descobri
que conheço um tio dele. Bloqueei-o em todos os comunicadores online
conhecidos. Entrei em contato com um amigo dele e pedi que avisasse o garoto
que se ele continuasse me molestando eu ia chamar a polícia.
Fiquei mal, passei mal, fiquei
perturbada mesmo. Tenho horror a qualquer tipo de coisa deste tipo. Uma vez,
quando eu trabalhava num telejornal ao vivo, uma senhora começou a agir assim
comigo. Deixava roupas usadas, bonecas velhas, na portaria do meu prédio. Era
apavorante. Imagino o desespero que pessoas famosas devem sentir.
Só sei que levei algumas horas
até descarregar as pilhas. Não conseguia me concentrar no trabalho, nada.
Melhorei quando consegui me focar, me concentrar nas tarefas do dia. Quando fui
ver eu já estava quase normal. Quase porque o normal é deixar os loucos pra lá.
Normal é não pegar pilha. Um dia eu aprendo.
*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear
pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira
por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.
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