Uma mulher incógnita
* Por Cecília França
Ela acreditava que todos teríamos
um momento epifânico no fim da vida, quando descobriríamos que muitas coisas
foram em vão e que apenas as executadas por amor realmente interessaram. Era
estranha. Não parava de mexer a boca em um tique que contribuía para enfeiurar
suas feições. Carregava consigo bloco de notas e caneta em qualquer que fosse a
situação e, não raro, era possível vê-la redigindo apressadamente algo que
jamais saberíamos o que é.
Incógnita e amiga de todos – se é
que existe tal paradoxo. Sabia ser amigável sem abrir-se com os demais.
Envergonhava-se de suas glórias e espalhava seus raros vexames. Dos elogios que
recebia, por exemplo, poucos ficavam sabendo; já das vezes em que excedia na
bebida, era senso comum.
Sabia que era diferente – e seus
amigos também – só era difícil precisar qual ponto lhe conferia tal
individualidade. Não se rendia a modismos. Mantinha os cabelos cacheados a
despeito do sucesso das chapinhas. Recusava-se a usar botas de cano longo
apenas porque estavam na moda – usava-as apenas porque eram confortáveis.
Como repórter, era considerada a
mais "macha" dentre as mulheres da redação: aquela que não se
esquivava frente a uma ida ao presídio ou ao lixão da cidade. Era complacente,
não por opção, mas por natureza.
Intrigava o mais atento de seus
colegas de trabalho, que não negava a atração que sentia por aquela mulher, ora
feia, ora bonita. Às vezes bem-humorada, outras ranzinza. Mas, em suma,
diferente.
Parecia uma fortaleza que
derretia a cada declaração de ingenuidade que proferia com olhar penetrante de
anjo. Para ela, o amor era tudo. E quem não concordasse com isso agora o faria
em determinado momento da vida. Ao mesmo tempo em que exalava doçura, era
intransigente. Enfim, uma incógnita para nós, tolos.
* Jornalista
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