Meu cachorro Atahualpa 4
* Por
Urda Alice Klueger
(Para
Valentina Moreira Monteiro)
Vi a notícia na
Internet: iria haver uma cãominhada na minha cidade, no domingo de manhã. Para
deixar bem claro, é melhor escrever de novo: cão-minhada, quer dizer, uma
caminhada de cachorros. Eu estava cheia de mensagens eletrônicas para
responder, um livro para revisar, além de outros e outros serviços, mas pensei
comigo que o meu cachorrinho não podia perder aquela oportunidade de conhecer
outros cachorros e fazer novos amigos. Assim, botei o relógio a despertar para
acordar a tempo, vesti minha camiseta nova, botei na bolsa um punhado de ração
e um vidro com água fresca, e corri para o lugar onde aconteceria a cãominhada.
No primeiro momento,
Atahualpa não entendeu bem o que se passava: parou no primeiro cachorro que
encontrou e os dois ficaram se cheirando, ambos sem se darem conta do grande
horizonte que se descortinava para eles naquele dia. Tive que forçar meu
filhote para ele ir adiante e ver aquele mundo inacreditável, onde cachorros de
todos os tamanhos e modelos, cada qual com o seu dono, se preparava para a
estupenda cãominhada que aconteceria!
Na escola, fui boa em
aritmética, mas ali naquele ondulante e barulhento mundo canino, perdi
completamente o meu senso de contagem, e avaliei que talvez houvesse ali uns
300 cães – mais tarde saberia, pela imprensa, que eram 590. E havia cachorros
de todos os tipos, alguns tão grandes quanto bezerros, ostentando soberbas
jubas das mais diversas cores, até outros tão pequeninos que se escondiam
dentro de uma mão e iam no colo do seu dono, pois aquele pequeno trecho onde aconteceria
a cãominhada, para aqueles minúsculos, era tão enorme quanto atravessar o
deserto do Atacama.
Para Atahualpa,
acostumado a andar comigo seis a oito quilômetros, aquele trecho não era nada –
o problema era que aquela cachorrada toda estava tomada do maior pasmo: nenhum
deles, nem o mais grandão e nem o mais pequenino, nenhum mesmo, algum dia,
havia pensado que poderia haver no mundo tal quantidade de cachorros! E quando
aquele mundo ondulante e colorido se moveu rua afora, puxado pelos donos, os
590 animais faziam a mesma coisa: todos latiam e se cheiravam, e uma coisa que
me deixou muito impressionada foi a igualdade que existia entre eles: entre si,
todos eram iguais, não importava tamanho, cor, pedrigee, roupas bonitas, pêlo
macio ou pêlo duro, focinho de galgo ou
de vira-lata. Tirando um grandão, com cara de mau, que usava, inclusive, uma
focinheira, e ficava dando ferozes arremetidas contra os outros, aqueles
cachorros todos estavam era se amando muito, e o que mais se via eram rabos
balançando enquanto eles se cheiravam e se amavam aos latidos! De uma certa
forma, aquela cãominhada estava me levando a lembrar de um certo tempo que vivi
em minha vida, chamado Movimento Hippie
Os organizadores da
cãominhada haviam pensado em coisas práticas, e de espaço a espaço, na calçada,
havia recipientes plásticos com água, pois o sol era quente e a cachorrada
estava toda tão encalorada e cheia de emoção que quase todos tinham as línguas
para fora, de tanta sede. Não é de se estranhar que os grandões, com suas
longas pernas, em pouco tempo estivessem na linha da frente da cãominhada e
fossem os primeiros a beberem daquela água fresca – bebiam com tal sofreguidão,
fazendo “schlept, schlept, schlept”, que a água ficava toda cheia de bolhas de
baba, parecendo água com sabão em pó batido. Ainda bem que a maioria dos donos
dos cachorros pequenos, como eu, se lembrara de levar junto a água do seu
companheirinho.
Em pouco tempo, na
maior barulheira, aquela cãominhada chegou ao fim, e Atahualpa tinha os olhos
tão vidrados de profunda emoção quanto todos os outros, e não tomou um golinho
d’água que fosse, nem um pedacinho de ração. Ainda conversei um pouquinho, por
ali, dando mais um pouco de chance ao meu filhote para viver aquela manhã
encantada, e quando chegamos em casa, era meio dia. Atahualpa estava totalmente
exausto de tanta emoção. Não quis beber, não quis comer, não quis carinho, não
quis nada. Deitou-se na sua caminha e dormiu como um morto o resto do dia, sem
mais forças para qualquer coisa!
Disseram-me que em
agosto vai ter outro evento igual! Vamos lá, não vamos, Atahualpa?
Blumenau, 04 de junho
de 2008.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Muito gostoso esse cachorro e esse relato.
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