quarta-feira, 2 de abril de 2014

Terra das burcas impalpáveis

* Por Fernando Yanmar Narciso

Você aí, turista das estrangeiras, que começa a arrumar sua bagagem para vir à copa, e já está a sonhar com toda aquela carne humana à sua disposição, com as meninas nadando na praia de fio-dental e usando micro-shorts quase do tamanho de um quadradinho de papel higiênico, com aquelas rainhas de bateria deliciosas, que não usam mais que uns potinhos de purpurina para cobrir as vergonhas nos desfiles na Sapucaí... Tenho uma novidade pra você: Esse Brasil, dos cartões postais e dos sites de turismo sexual, não é o Brasil real. É uma ilusão criada por marqueteiros para atrair mais turistas ao país. Aqui não é o país da eterna farra, como uma Las Vegas ou uma Amsterdã superdimensionada. Algumas mulheres podem até tentar serem como essas deusas seminuas, mas nosso país só não é o mais retrógrado do mundo porque ainda existem os Estados Unidos e toda aquela área do Oriente Médio dominada pelo Talibã.

Talvez você não se lembre de Nick Olivieri, ex-baixista da banda de heavy metal Queens Of The Stone Age. Em 2001, no 3º Rock In Rio, ao ver um ensaio de escola de samba, sentiu-se tão contagiado por todos aqueles seios e bundas desprotegidas, rebolando em seu nariz, que achou que não haveria problema algum se subisse no palco peladão, usando só o contrabaixo como tapa-sexo. Resultado: Saiu algemado do festival e foi exibir suas curvas aos presos naquela noite... Ou já se esqueceu da sub-celebridade Geisy Arruda, que foi parar em todas as bocas após ser expulsa e ridicularizada por todos os alunos de sua faculdade, só porque usou um vestido tubinho talvez um dedo mais curto que o normal?

Por baixo da casca, ou da falta dela, somos um país conservador, irritadiço e, ultimamente, sem autocontrole. Nas últimas semanas, houve ocorrências de dezenas de mulheres sendo assediadas sexualmente em metrôs e ônibus. Pra começo de conversa, sem querer desmerecer as vítimas, um caboclo que consegue ficar sexualmente excitado dentro de um ônibus, com passageiros saindo pelo escapamento e sob uma salmoura de doenças e suor alheio, às seis da tarde ou debaixo do sol do meio-dia é, a bem da verdade, um prodígio. Sério, ter uma ereção em tamanha desvantagem é um fenômeno a ser estudado pelo CERN em Genebra.

E como ficam as mulheres no meio dessa situação atroz? Em nosso país os algozes acabam tornando-se as vítimas. “Ah, você viu o jeito como ela tava vestida, seu juiz? Com aquele topzinho, aquela minissaia mostrando a calcinha e aquelas coxonas, ela só podia era tá querendo ser estuprada! Ela fez por merecer!” Quer dizer, se a menina for atacada por um tarado no transporte público a culpa é dela? Poupem-nos! Se isso fosse um filme pornô japonês, onde assédios no trem acontecem à luz do dia sem os passageiros nem notarem os gemidos, até que ia. Mas aqui no mundo real, respeito é bom e mantém os dentes no lugar!

Também costuma aparecer algum coxinha metido a politizado pra dizer “E o governo, não faz nada a respeito das encoxadas?” Já fez, oras, a Lei Maria da Penha! Violência sexual contra a mulher é crime e dá cadeia, mas vocês acham que o tarado se lixa pra lei? O sentimento de perigo só os faz terem vontade de se empenhar mais na “sarrada”. Esporte radical, pura adrenalina. ISSA! E o povo, estarrecido com essa onda de abusos sexuais em transportes coletivos, o que pensa a respeito? A resposta pode chocar os gringos turistas... Há alguns dias o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) lançou uma pesquisa com questões um tanto vagas e capciosas sobre o tema, no mesmo estilo das que a Vox Populi fez em 1989 após o debate do 2º turno das eleições.

O “seriíssimo” ranking do instituto confirmou que 65% dos entrevistados- quase todos, vale grifar, MULHERES!- acham que garotas que usam roupas curtas “merecem ser atacadas” e que se as mesmas “não aprenderem a se comportar em público” a porteira fica aberta pros tarados. Essas mulheres demonstraram na oportunidade uma mente tão moderna e sensata como a de um pai machista da década de 1920. Se bobear, elas só deixam a filha sair pra rua depois de rechear as partes pudendas com cimento. Pelo menos a pesquisa serviu para provar que o povo brasileiro não está preparado nem para aprender a manejar e controlar o fogo, quem dirá combater a violência contra a mulher!

Mas por que a vítima não reage, por que ela não grita, não dá um chega-pra-lá no desavergonhado? Às vezes isso realmente ocorre, mas na maior parte dos casos a vítima sai dessa tão traumatizada que nem consegue falar. Aí aparece alguém, às vezes os próprios pais da vítima, pra dizer “Não fez nada? Ah, então foi porque tava gostando da situação!” E se fosse a sua mãe, sua irmã, sua avó, alguma parente sua nessa mesma situação embaraçosa, seu doente? Você ia gostar? E se, em vez de uma mulher, fosse VOCÊ, segurando no PQP do busão, e um caboclo com as piores intenções do mundo te desse uma encoxada? Tu ia curtir, ô comedor?

Acho que acabei de ver uma loja que faz burcas multicoloridas, sob medida pras meninas do nosso país. Vem com cinto de castidade forjado em aço galvanizado de brinde! Vamos comprar algumas, moças?

*Designer e escritor. Contatos:
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2 comentários:

  1. Você colocou uma vírgula providencial na última frase kkkkkkkkkk Caso contrário ficaria : "Vamos comprar algumas moças?
    Uma beleza de crônica, Fernando, sempre atualíssimas, com o seu peculiar talento para a ironia e bom humor, me deliciei. Abraço!

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  2. Em todas as situações, sempre cabe um pouco ou muita civilidade.

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