Rebeldia
que vale a pena
* Por Pedro J. Bondaczuk
A rebeldia (mesmo a com causa) é
atitude geralmente mal-interpretada e raramente resulta em benefício para
alguém. Rebelamo-nos, via de regra, contra o que não deveríamos: contra normas
de conduta saudáveis e necessárias e contra imposições de disciplina e de
ordem. Todavia, o que realmente envenena os relacionamentos, e torna o mundo
perigoso e mau, passa batido e se avoluma, geração após geração.
Esse comportamento é mais comum
na adolescência, quando nos julgamos poderosos, invulneráveis, indestrutíveis e
imortais, sem que, claro, de fato, sejamos. Na minha época de juventude, o
título de uma famosa canção transformou-se em lema, em mantra, em palavra de
ordem para a minha geração: “não confie em ninguém com mais de trinta anos”.
Sequer é necessária maior análise para concluir sobre sua estupidez e falta de
sentido.
Naquela época, pensávamos, até
inconscientemente, que o passar dos anos tornava as pessoas acomodadas, dóceis,
desossadas e, sobretudo, “caretas”. Ou seja, sem criatividade e nem
originalidade. Sequer passava pela nossa cabeça que não seríamos jovens para
sempre e que um dia seríamos iguaizinhos aos que então ridicularizávamos e
pretendíamos segregar.
Tínhamos, claro, ideais
grandiosos, que se resumiam, no entanto, a meros discursos e a pequenos atos,
meramente simbólicos, que em nada contribuíam para mudar a hedionda realidade
ao nosso redor (e que hoje é ainda muito pior). Denominávamos o comportamento
social vigente de “sistema” e fazíamos de tudo para mostrar que estávamos fora
dele. Buscávamos marcar nosso território e afirmar nossa identidade, sobretudo
na aparência.
O sistema exigia que, para sermos
vistos como bons moços, tivéssemos cabelos curtos, bem-penteados e o rosto
raspado? Investíamos com tudo contra isso. Optávamos por uma aparência selvagem
e assustadora, só para contrariar os mais velhos. Deixávamos os cabelos
crescerem, fugíamos do banho como os gatos fazem, cultivávamos longas e
hirsutas barbas, nos trajávamos com desleixo e desalinho e achávamos que, com
isso, estávamos contribuindo, de alguma maneira, para mudar o mundo. Não
estávamos, claro.
O sistema condenava as drogas (o
que, sequer, seria necessário, já que o comezinho bom-senso poderia nos indicar
sua absoluta inadequação, por uma série de razões)? Muitos, para manifestar
espírito de rebeldia, se drogaram. E fartamente. Vários dos nossos ídolos de
então morreram de overdose.
Milhões, mundo afora, mergulharam
de cabeça no inferno do vício, de onde alguns jamais conseguiram sair, embora
tentassem a todo o custo. Os que puderam se livrar não escaparam de seqüelas,
que ostentam até hoje. Perceberam, apenas tardiamente, o mau passo que haviam
dado. E com isso desperdiçaram preciosos anos de vida, desperdício que
lamentaram (e lamentam), inutilmente, quando finalmente chegaram à idade da
razão.
O sistema apregoava que o sexo
deveria ser responsável e maduro, lídima manifestação de amor? “Derrubemos essa
ordem“, era a nossa mentalidade de então. Sem que nos apercebêssemos,
banalizamos o que poderia (e deveria) ser sacralizado, reduzindo-o a um ato
mecânico, automático, quase obrigatório, de mera auto-afirmação, com o danoso
subproduto, dessa estúpida manifestação de rebeldia, de uma profusão de doenças
venéreas e de gravidez indesejada. Ou seja, de paternidade precoce e
irresponsável. Isso era ser rebelde há apenas 50 anos, na supostamente alegre
geração dos “beatniks” e dos “hippies”.
E hoje, as coisas são diferentes?
Nossos filhos e netos aprenderam alguma coisa com nossos erros? Não!
Definitivamente não! Com algumas mudanças, aqui e ali, seguem cometendo os
mesmíssimos erros e, certamente, sofrerão idênticas conseqüências. Não é essa,
pois, a rebeldia que devemos assumir.
Temos que nos rebelar, sim, e
muito, e sempre, mas contra injustiças, violência, corrupção, prepotência,
exploração do homem pelo homem e outras tantas mazelas. Mas em sentido prático
e construtivo. Precisamos agir, em vez de discursar. Cabe-nos apresentar
alternativas, e vivê-las, em vez de nos limitarmos a deblaterar ou a agredir os
nossos corpos.
Temos que atuar, mesmo que essa
atuação implique em riscos iminentes à nossa integridade física e à nossa vida.
Compete-nos, sobretudo, impedir que sigam destruindo o Planeta, nosso único
domicílio cósmico, que pede socorro e agoniza, sem que a maioria sequer se dê
conta.
Mas a maior das rebeldias é a de
não aceitar nada menos do que a felicidade, para nós e para os que amamos. Não,
todavia, a de um suposto paraíso após a morte, que ninguém tem certeza que
sequer exista e que milhões de pessoas nutrem irrestrita fé que sim. Por isso,
baseados em crença sem nenhuma comprovação, deixam voar o único pássaro que têm
nas mãos, na tentativa de agarrar uma infinidade dos que estão voando.
Podemos até crer nessa ventura
eterna, num etéreo e imaginário paraíso, em nebuloso futuro sem, contudo, abrir
mão da possibilidade (diria necessidade) de sermos felizes agora, no presente,
já. Uma coisa não exclui necessariamente a outra.
Essa é a rebeldia que importa. Ou
seja, a do não-conformismo, a da valorização da vida e a do pleno gozo de
tantas e sadias satisfações que ela pode nos dar (de que abrimos mão para
apostarmos no negativo, na dor e na desgraça). Devemos não apenas sonhar com a
felicidade, não só lutar por ela, mas “exigi-la” a cada instante, cada minuto,
cada segundo (que pode, ademais, ser nosso último) e não num futuro distante e
em suposta condição espiritual. Sejamos rebeldes, sim, mas inteligentes! É a
única rebeldia que vale a pena.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador”
– http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Um dia chegaremos a atuar a favor da rebeldia construtiva, mas até lá, os jovens irão desafazendo o que os anteriores chamam de correto.
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