O
cavalo do Betinho
* Por Rodrigo
Ramazzini
Betinho
encasquetou que iria comprar um cavalo. Reuniu a família para anunciar a
decisão de adquirir o equino. “Meu sonho do momento!”, assim se referiu à
aquisição. Segundo contou, já estava inclusive com o negócio engatilhado, com
um vivente lá das bandas da casa do seu primo. “Ótimo preço e preto, como eu
quero!”, narrou. Os filhos ficaram entusiasmados e saíram projetando possíveis
nomes para batizar o animal. A esposa, ao contrário, ficou uma fera.
- Pra que,
Betinho?
- Por que eu
quero! Simples...
- O que tu
vais fazer com um cavalo, homem de Deus?
- Cavalgar!
- Mais um
gasto? Mais uma boca para comer?
- Cavalo come
grama...
E saiu sem dar
maiores explicações. Voltou quando já estavam todos dormindo. No dia seguinte,
acordou cedo.
- O que está
fazendo aí, Betinho?
-
Projetando...
- Projetando o
quê?
- Uma cocheira
para o cavalo, mulher!
- Eu não
acredito! Nos fundos do pátio?
- Sim! Dá bem
certinho no tamanho esse espaço aqui! Acho que o Mário faz pra mim... Vou lá
falar com ele...
- Betinho!
Espera aí... Volta aqui que eu quero falar contigo sobre isso...
Deixou a
esposa falando sozinha. Retornou vinte minutos depois.
- Tudo certo!
Ele vai fazer a cocheira pra mim... Começa semana que vem...
- Tu vais
mesmo levar adiante essa ideia de comprar o cavalo?
- Claro! Por
quê?
- Eu acho um
absurdo isso! Um cavalo vai ser só para incomodar, Betinho! Já pensaste nisso?
- Eu que vou
cuidar!
- Fora o fedor
que vai levantar!
- A gente
lava...
- Eu acho que
nem pode criar cavalo dentro de pátio...
- Pode! Já me
informei...
- Pra que um
cavalo? Sabes que eu não gosto de bicho grande!
- Por que tu
na gostas eu não posso gostar?
A esposa já
estava ficando impaciente por não conseguir reverter Betinho da decisão de
comprar o cavalo. Dois dias se passaram e a compra do equino era o assunto na
família. Betinho ligava, gesticulava e negociava ao telefone. Foi então que deu
a notícia fatídica.
- Negócio
fechado! Busco o animal amanhã!
- Eu não
acredito! Quanto tu vais pagar neste bicho?
Era a pergunta
que Betinho ansiosamente esperava que a esposa fizesse, pois imaginava a sua
reação ao saber o valor.
- Vou pagar
parcelado. Vinte e quatro parcelas de R$ 120... Uma barbada!
- Que absurdo,
meu Deus! Tu vais gastar esse dinheiro todo em um cavalo podendo comprar outras
coisas para casa, Betinho?
- Vou... Eu
quero!
- Vou te
avisar uma coisa: se tu apareceres aqui em casa com esse cavalo, quem vai sair
sou eu... Ouviste bem?
Betinho não
respondeu. Não se falaram o resto do dia. Deitaram-se um ao lado do outro à
noite sem trocar uma palavra se quer. A bem da verdade, Betinho não queria
comprar o tal cavalo e estava apenas intermediando uma negociação entre dois
amigos. Por isso, sabia detalhes da negociata. Ele queria mesmo era adquirir
uma televisão nova, com uma tela maior, mas cogitou que a esposa negaria a solicitação,
sendo que possivelmente indicaria outras necessidades da casa, como sempre
fazia. Assim, “armou o circo” e aproveitou a oportunidade, criando a estratégia
de “chantageá-la”, já que não poderia comprar o cavalo iria então comprar uma
TV. Faria isso na manhã seguinte. Foi dormir tranquilo, afinal, o plano estava caminhando
perfeitamente.
Acordou no
outro dia entusiasmado pela perspectiva da possível compra da televisão.
Entusiasmo que logo foi dissipado ao notar que a esposa não estava na cama. O
alerta de desconfiança foi acionado. “O que será que essa mulher está
fazendo?”, pensou. Ouviu barulho na sala. Os filhos ainda dormiam. Saiu do
quarto pé por pé e se surpreendeu ao encontrá-la:
- O que é isso,
mulher?
- Ué! O que
isso, Betinho? O que tu estás vendo...
- Comprou?
- Comprei,
ora... O tempo que tu ias gastar dinheiro com um cavalo é melhor investir na
casa... Aliás, pode desmanchando o negócio... O carnê para pagar está no teu
nome... Fiz em vinte e quatro prestações...
Betinho
contemplou televisão nova. Deslumbrou-se. “Sorriu por dentro”. Era exatamente
como queria: marca, modelo, polegadas, tudo. Porém, não podia ceder.
- Com que cara
eu fico agora com dono do cavalo, hein? Dei minha palavra...
- Problema
teu...
Betinho fez
cara de brabo e saiu para a rua. Fingiu que ligou para o proprietário do animal
com o suposto objetivo de reaver o negócio e retornou rapidamente. Afinal,
estava ansioso para ler o manual da nova televisão e mexer no controle remoto..
* Jornalista e contista gaúcho.
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