Livro bom, livro ruim
* Por
Isabel Furini
Na oficina “Como
escrever um livro”, que oriento há muitos anos, houve uma discussão quando uma
aluna disse: “Comecei a ler o Senhor dos Anéis, um livro muito mal escrito”. Um
colega contra-argumentou: “Eu gostei do livro. Se você não gostou, é um
problema seu, isso não quer dizer que não seja um bom livro, só que não agrada
a todos os leitores”.
E eu tive que desafiar
o grupo com uma pergunta:
- Será que existe um
livro que agrada a todos os leitores?
Uma senhora respondeu:
- A Bíblia.
Um rapaz retrucou: -
Será que ateus gostam de ler a Bíblia? (Risos)
Alguém disse: - Machado
de Assis.
Apoiou um senhor idoso:
- Isso mesmo.
Um aluno não esteve de
acordo: - Minha tia não gosta de Machado de Assis, porque uma professora
obrigou-a a ler O Alienista no colegial, na época que havia colegial...
- E os Lusíadas de
Camões?
Silêncio na sala. Por
fim, um rapaz disse: - Será que todos leram Os Lusíadas? Eu nunca vi esse livro
na lista dos mais vendidos. E será que todos aqueles que leram apreciaram o
livro? Ou alguns têm medo de falar que não gostaram e de parecer burros?
A discussão continuou
por algum tempo. Por fim, eles mesmos chegaram à conclusão de que existe um
livro aceito por todos os leitores. Existem livros aceitos pela maioria dos
leitores, os best-sellers. Existem livros aceitos pela maioria dos
intelectuais, em geral, livros que ganham prêmios importantes. Mas sonhar que
um livro será apreciado e aplaudido por todos os leitores é algo muito difícil
de acontecer. Talvez impossível em um país livre. Cada cabeça é um universo.
Tem suas nuances. Sua história pessoal. Seu olhar único.
É tão fácil criticar o
trabalho de outrem e tão difícil criar e realizar uma obra de arte que o
aforismo fala “a crítica é fácil, a arte, difícil”. É assim mesmo, ver o erro
no trabalho dos outros não leva muito tempo, por exemplo, observar um quadro e
criticar pode levar questão de minutos.
Ler um texto e sentir
desagrado também não leva muito tempo, em geral depende da dimensão do texto a
ser lido. E, às vezes, nem isso. O leitor começa o texto e nem dá chances... já
forma uma opinião ao focar as primeiras frases. E é muito interessante que a
maioria das pessoas não fala: eu gostei, ou eu não gostei do texto, ela afirma:
“está muito bem escrito”, “está mal escrito”, ou pior ainda, “esse é um bom
escritor”, “esse escritor é ruim”, como se umas poucas frases fossem
suficientes para julgar a obra completa de um autor.
“Eu não gostei desse
livro” é uma frase honesta. “Esse livro é ruim” é uma frase fruto da
arrogância, que tenta mostrar que a opinião dessa pessoa tem valor universal.
Parece que ela está gritando: “Ei! Não leiam esse livro! Eu não gostei e
ninguém deve gostar dele. Eu já falei, esse livro é ruim. Escutem meu recado”.
É comum em concursos
literários haver pessoas insatisfeitas, aqueles que não ganharam, logicamente.
Algumas dessas pessoas, ao conhecer os poemas ganhadores, enviam e-mails
dizendo: “O poema que ganhou o primeiro lugar não é bom”. E não adianta. O
poema precisa ser bom para os jurados. Às vezes eu também não fico contente com
um trabalho que conquista o primeiro lugar, mas fico em silêncio pensando que
cada ser humano tem vivências e ideias diferentes e que é preciso aprender a
respeitar a escolha dos outros.
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& Isabel Furini é
escritora e poeta premiada, autora de “,,, E OUTROS SILÊNCIOS” que foi lançado
em 08 de julho/12.
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