Tendências tendenciosas
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Parafusos e engrenagens
estão na moda novamente! Desde 2007, quando o primeiro filme dos Transformers
foi lançado, Hollywood voltou a se apaixonar pela mecatrônica. Nos últimos
anos, não houve um filme familiar que não envolvesse robôs gigantes, robôs
humanoides, super-armaduras e ciborgues. Só no último verão norte-americano
foram lançados quatro filmes do gênero, uns bons, outros medianos, e como não
podia deixar de ser, alguns tão ruins que só podiam fazer sucesso.
Aproveitando o embalo,
é claro que não podiam deixar de tentar ressuscitar o pai de todos os sucatões.
Numa Detroit futurista, dominada por crime organizado, tecnologia e pelas
grandes corporações, o detetive Alex Murphy é brutalmente mutilado por uma
gangue e deixado à própria sorte. À parte disso, há um programa proposto pelas
empresas OCP para substituir policiais e exércitos humanos por robôs autônomos.
Apesar de a ideia ser exportada para todos os continentes, o povo
norte-americano vê o programa com receio para o uso em seu próprio solo. Pois,
como sabemos, eles não suportam ver a morte de norte-americanos coitadinhos e
inocentes, já o sangue do resto do mundo lhes importa tanto um peido de mosca.
Por mais absurdo que
pareça, eles chegam à conclusão que a única forma de amolecer o coração do
Congresso é colocar um ser humano dentro de um robô, aí é que o destino de
Murphy se cruza com a OCP. Ainda em coma profundo, eles convencem Clara, a
mulher de Alex, que essa seria a única forma de trazê-lo de volta a esse mundo.
Assim surgiu RoboCop, um dos grandes anti-heróis da década de 80.
Concebido em 1987 pelo
“Holandês Voador” Paul Verhoeven, mesmo sendo um filme de ação de respeito,
RoboCop era uma sátira cruel e virulenta do mundo corporativo, do abuso de
poder e da maneira como os Estados Unidos- e, por extensão, a humanidade-
glorifica a violência. Claro que o espectador médio não dá a mínima para esses
detalhes e só quer ver a tela ser pintada de vermelho por uma hora e meia, e
Verhoeven não teve o menor pudor quanto a isso. Sendo o filme de ação mais
açougueiro até então, apenas Rambo 3 e Vingador do Futuro, este também do
diretor holandês, conseguiram superar sua capacidade de chocar a audiência
naquela década. A cena de Murphy sendo esquartejado a tiros por um mafioso
sádico e todos os tiroteios do filme não perderam sua capacidade de causar
desconforto após quase 30 anos de seu lançamento.
Mas aqui estamos em
2014, e a sensibilidade á violência extrema, pelo menos a do cidadão comum,
tornou-se mais complexa. Num mundo onde os filmes de ação em sua maioria
apresentam super-heróis politicamente corretos e sem sangue nas veias, como
fazer para ressuscitar um dos filmes mais cruéis da história, sem torná-lo
coisa para maricas? Entra em cena o brasileiro José Padilha, diretor dos dois
mega-hits Tropa de Elite 1 e 2, em sua estreia hollywoodiana.
Conhecido por seus
filmes reflexivos, escancarando a corrupção policial e política enquanto leva a
audiência ao delírio com ação vertiginosa e linguagem chula a granel, sua contratação
parecia um convite vindo do Monte Olimpo. Como a Hollywood de hoje não permite
matadouros em filmes comerciais e tudo é planejado pensando primeiro na linha
de brinquedos, a solução que Padilha encontrou foi seguir a rota da nova série
de filmes do Batman, tornando o roteiro espalhafatoso e lunático do primeiro
filme uma jornada introspectiva e moral, buscando o homem dentro da máquina e
trazendo questionamentos mais enaltecedores, como a essência da humanidade e o
conceito do livre arbítrio.
Murphy (aqui
interpretado por Joel Kinnaman) não teve envolvimento na decisão de torná-lo um
ciborgue, e mesmo tendo “salvo a vida” de seu marido, Clara (Abbie Cornish)
sente uma culpa insuportável pela operação a que ele foi submetido, aspecto que
quase não foi explorado no filme original. Assim que RoboCop abaixa seu visor,
você descobre que, na visão de Padilha, a lata de sardinha ambulante é o
próprio Capitão Nascimento. Em menos de 24 horas ele investiga, soluciona o
caso do atentado que tirou sua vida, pega o mafioso que plantou a bomba em seu
carro e, só de brinde, põe abaixo um esquema de corrupção dentro da delegacia
de Detroit, ligado à mesma organização criminosa que proporcionou sua, digamos,
experiência de quase morte. Papa essa, BOPE!
Os efeitos especiais do
filme são espetaculares. Mesmo tendo uma versão atualizada da boa e velha
armadura metálica do sucatão, a versão usada durante todo o filme é o
“caveirão”, toda preta e feita de kevlar, novamente inspirada nos filmes do
Cavaleiro das Trevas, aposto! A computação gráfica é sutil e assustadora. A
imagem de RoboCop sendo desmontado peça por peça, revelando não mais que uma
mão, órgãos internos, a cabeça e o cérebro exposto de Murphy me trará pesadelos
para sempre...
Não me entendam mal,
gostei muito dessa releitura. O problema do filme de Padilha é que ele tentou
ser mais do que a mística do personagem permitia. Quem vai ver RoboCop espera
ver um filme de ação estarrecedor, burro e sangrento, entretenimento fast-food
em sua essência. Quem quiser pensar na condição humana que leia um livro! Foi
exatamente isso, e a falta de selvageria, que decepcionou a maioria dos fãs do
original. Mas, conhecendo Hollywood como a conhecemos, podem ter certeza que
José Padilha não estará na sequência, e esta trará mais purê de corpos que numa
fábrica de hambúrguer. Tomara que Murphy não se enferruje até lá.
*Designer
e escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com/
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
Parece-me pouco atraente, mas para quem gosta do gênero, parece bom. Vai encarar?
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