Livro que o acaso
retardou
Há personagens
históricos cujas vidas e obras são tão fascinantes, que não há como não ficarmos
admirados pelo fato de nenhum escritor, principalmente ficcionista, ter
explorado esse filão temático para a produção de uma obra-prima imortal. E eles
são muitos, verdadeira “multidão”. Quanto romance marcante tem deixado de ser
escrito em virtude desse tipo de omissão! Atribuo isso à falta de informação
por parte de escritores talentosos, que caso assumissem essa tarefa, certamente
acumulariam best-sellers sobre best-sellers.. A História do Brasil, que é a que
mais me interessa, registra muitas dessas figuras, que passam praticamente
batidas, a não ser da atenção de historiadores.
Um dos personagens que
considero mais fascinantes e sobre o qual pouquíssima coisa foi escrita, é o
aventureiro português João Ramalho. Há anos planejei escrever um romance,
tendo-o por protagonista, mas por uma série de circunstâncias – que nem sei se
considero incidentes ou acidentes de percurso – vem sendo seguidamente adiado
para um “não sei quando”. Ou seja, o acaso impediu (espero que tenha somente
retardado) seu “nascimento”.
Até comecei a redigir o
tal livro, numa espécie de “copião”, alinhavando as principais idéias sem
maiores preocupações estilísticas ou de extensão. Pesquisei sobre personagens
históricos reais, que existiram em carne e osso. Fiz pesquisas também sobre
cenários da época, dos quais redigi descrições detalhadas e meticulosas, com
base em gravuras que tinha em mãos. Portanto, tinham muito de imaginação e
pouco de realidade, por razões óbvias: não vivi na época e por isso, não
testemunhei nada do que descrevi. Mas a própria História, encarada como
ciência, tem muito de ficcional. Desconfio que 50% ou mais dos textos dos
historiadores se trate de ficção. Pode ser, como pode não ser exatamente como
ele descreve personagens, cenários e acontecimentos. Afinal, ele não os viu e
não testemunhou nenhum dos episódios, que considera como “fatos”,
A tarefa mais
complicada envolveu, simultaneamente, pesquisa e imaginação (mais esta, do que
aquela). Ou seja, “inventei” protagonistas que teriam que ter (e creio que
tinham) costumes, vestimentas, comportamentos etc. etc, etc. iguais aos
verdadeiros, aos que viveram na ocasião. Não fosse assim, não haveria a
desejável verossimilhança. E essa falha saltaria imediatamente aos olhos de
qualquer um, por menos observadora que a pessoa fosse. Se fiz tudo isso, o
leitor esperto certamente estará se perguntando: “Se você andou todo esse
caminho, por que não deu sequência ao trabalho? Por que não escreveu o tal
livro?”. Bem, é aí que entram os citados “incidentes” que mencionei.
Todo o trabalho de
descrição dos personagens históricos, de criação dos fictícios, assim como as
dos cenários, das vilas onde o enredo se desenvolvia, das moradias, do
mobiliário, do vestuário dos protagonistas, etc.etc.etc. tudo, tudo foi anotado
de duas formas: parte em manuscritos, em um caderno que destinei para esse fim,
e parte datilografada. Nem sei porque fiz isso, mas fiz. Quando o livro, na
verdade o “copião”, começava a tomar forma, embora redigido por meios tão
diferentes (parte à mão e parte à máquina de escrever) tive que interromper o
trabalho, pensando retomá-lo no menor prazo possível. Dois fatos, ambos muito
positivos, ocorreram na época e desviaram a minha atenção.
A primeira dessas ocorrências
foi uma promoção que recebi no jornal em que trabalhava na época, que resultou
num salário maior, é verdade, mas também em menos tempo para outras atividades
que não fossem as profissionais. O segundo fato foi que me apareceu um bom
negócio para aquisição de uma casa, num dos melhores bairros de Campinas (verdadeira
pechincha) que implicou em demoradas negociações e na posterior burocracia para
a lavratura da devida escritura. Eufórico, como estava, a última coisa em que
pensei, na ocasião, foi no livro que estava escrevendo. Todavia, isso tudo não
foi o pior.
Adquirida a nova casa,
lavrada a escritura e cumpridas as devidas formalidades do negócio, veio o
momento mais complicado: o de pensar na mudança. Quem já mudou alguma vez, sabe
o trabalho e os contratempos que isso dá. O mínimo que ocorre é que todas as
suas coisas ficam de pernas para o ar. Imagine o leitor o que é preciso fazer
para mudar com segurança e relativa ordem uma biblioteca de cerca de quatro mil volumes!
É uma loucura! Por mais organizado que você seja, todos os livros terminam
misturados nas várias caixas de papelão utilizadas para acondicioná-los. Pior
ainda é o que ocorre com as anotações esparsas – e eu tinha várias gavetas
repletas delas, a maioria já sem nenhuma validade, mas misturadas a outras que
requeriam atenção urgente e todo esse material precisava de triagem.
Em resumo, passada a
fase de mudança, com as coisas todas colocadas nos devidos lugares da nova
casa, lembrei-me, finalmente, do tal “copião” do livro – do seu embrião,
anotado, recordo, de duas formas diferentes: parte manuscrita e parte
datilografada – no qual pretendia trabalhar num determinado fim de semana
prolongado, por ser emendado com um feriado. Mas... cadê?! Procura daqui,
procura dali e nada! Passei, sem exagero, quatro horas revirando papéis,
tirando coisas do lugar, promovendo uma bagunça infernal, aflito à procura de
tais textos, até me dar por vencido. Não os encontrei. Nem na ocasião e nem
nunca. Passei anos (para ser mais específico, dezessete) até voltar a pensar no
assunto. Do “copião”, até hoje, não encontrei o menor sinal. É provável que
durante a mudança tenha me desfeito dele junto com anotações que julgava
supérfluas, sem sequer notar. Ou, quem sabe, quando menos esperar, eu dê de
cara com ele (tomara que sim).
Mas não desisti de
escrever o tal romance. Claro, terei que recomeçar tudo da estaca zero. Agora, todavia,
há duas vantagens que impedirão que o problema de há quase duas décadas se repita.
Tenho, a meu favor, o computador. Para evitar algum eventual problema na
máquina, pretendo publicar, de alguma forma, o novo “copião” (se o redigir, é
lógico) em algum dos meus blogs, provavelmente no “O Escrevinhador”, em que divulgo
exclusivamente minha produção literária. A segunda vantagem é que disponho de
muito mais tempo do que dispunha na ocasião. E por que escolhi João Ramalho
como inspiração temática e não outra figura qualquer? Disso, tratarei outro dia,
com mais vagar. Só adianto que, entre tantas façanhas desse aventureiro
português, ele fundou duas cidades e “apenas” com seus filhos, que ascendiam a,
pelo menos, três centenas: Santo André e Taubaté. Querem mais?!!!
Boa leitura.
O Editor
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Coisa de loucos! O biografado e você, Pedro João!
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