Corja
* Por Daniel Santos
Saiu pela porta da cozinha de
bermuda e chinelão, sem dizer aonde ia. Bateu o portão com o mau-humor de
sempre, ainda mais que a salsicha do almoço lhe dava azias, e imiscuiu-se na
turba a caminho do estádio.
Sem perceber, muniu-se de uma
ripa encontrada junto ao meio-fio e golpeava com estardalhaço a grade de ferro
das casas e a porta de aço das lojas, enquanto emitia grunhidos, talvez, de um
arcaico idioma da fúria.
A musculatura das costas
tensionou-se até vergá-lo um pouco para a frente, os punhos enrijeceram-se como
os de um pugilista na véspera da revanche e ele prosseguiu sempre pisando de
calcanhar como um militar.
Pouco antes de entrar no estádio,
urinou junto a um poste como um vira-latas, sem se intimidar com a multidão à
volta, e quase atirou fora a ripa. Mas, não. Resolveu guardá-la consigo. Vai
que seu time perdesse ...
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de
"O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio
de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha
imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma
gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma
negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de
conclusão, em 2001.
Boa intenção passou longe do personagem. Mas, para quem quer confusão, numa correria o chinelo vai sumir. Melhor segurança daria um tênis, para o caso de ter de correr.
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