A gravidez enforca
* Por Mara Narciso
A sociedade tem a corda opressora da
maternidade que aperta o pescoço da mulher sem ela se dar conta disso com
exatidão. Faz a sua cartilha, e mulheres independentes, casadas e com suas
vidas sociais, afetivas e profissionais sanadas, se veem contra a parede para
viver conforme lhes foi determinado. Abriu o livro, agora leia! O motivo de não
quererem ser mães, é pecado inconfessável, e se ainda assim, num último minuto,
resolverem sê-lo, será preciso enfrentar a análise dos outros e as suas
próprias, pois lhes foi incutido que “ser mãe é padecer no paraíso”.
Duas mulheres conversam:
- Estou grávida!
- Fiquei sabendo.
- Não estou bem.
- São os enjôos?
- Não. Não estou sentindo
aquela alegria que deveria ter por estar grávida.
- Mas você não tem obrigação de sentir
isso, só porque acham que deva sentir.
A mulher grávida, mais jovem que a
outra, que já tem filho adulto, deixa escapar uma lágrima, ou duas. E continua
falando, suspirosa:
- Eu esperei dezessete anos por isso. E
agora não sei o que fazer.
- Quando há um casamento feliz, fica
parecendo que não haverá lugar para o filho. A harmonia está estabelecida em
tal ordem, que o espaço mostra-se totalmente ocupado. Mas a criança chega e
afasta um prá lá e o outro para cá, e assume o centro do mundo. E a gente ama
loucamente essa criatura que chega.
- Eu não sei se vai ser assim não -
refuta a jovem, chorando mais ainda.
- A sociedade exige esse amor, mas você
tem o direito de sentir o que quiser. O amor retumbante não é automático. Ouvir
cornetas de regozijo não é a norma, embora cobrado. Pode acontecer ou não. O
importante é que não se culpe, caso o amor venha devagar, sem paixão. É seu
direito. Não pode é sentir-se mal por isso, por não amar a gravidez.
- Eu não estou feliz, mas eu escolhi
isso. Parei com o anticoncepcional, pensando que demoraria um pouco e no mês
seguinte já estava gestante.
- Nem todas se sentem bem em ter uma
pessoa dentro da barriga. É uma situação muito delicada. Muda tudo, o corpo, as
emoções sob efeito de um monte de hormônios novos que a placenta produz. A
mulher fica mais sensível, emotiva, chora sem razão. Para quem sempre foi
forte, resoluta, de uma hora para outra ficar frágil é um problema.
- Tenho medo. Sinto-me presa, e a
criança ainda nem chegou. Quando chegar então, vou enlouquecer. Acho que estou
caminhando para uma depressão. Ainda não estou pronta para comprar nada para
ela. Parece que estou ameaçada.
- É natural que esteja assim. O
desconhecido assusta, amedronta. Isso se deve ao fato de a sua mãe ter tido
muitos filhos e ter passado boa parte da vida grávida.
- Minha mãe sofreu muito, você sabe,
ela teve dezesseis filhos. Isso deve ter influência em me assustar. Eu fui a
penúltima. Na verdade, parece que eu nunca quis ser mãe, mas, agora, quando
faço 35 anos, era preciso me decidir. Seria agora ou nunca mais.
- A sociedade faz suas apostas e
cobranças. Parte do princípio que a mulher, por definição, tem instinto materno
exuberante e quando alguma sai do gráfico, sente-se e age diferente, é tempo
para as críticas. É preciso libertar-se disso. Ignorar essas cobranças. Não
siga nenhum script. Faça o que quiser, sinta o que der na telha. Não se sinta
acuada e com necessidade de comportar-se seguindo a expectativa dos outros. Já
é uma carga muito grande carregar outra pessoa dentro da barriga por nove
meses, ainda mais tendo de agradar aos outros. Você pode odiar estar grávida,
situação esta que muitas acham, mas poucas têm a coragem de se manifestar, e
ainda assim ser uma boa mãe, e até ser louca pelo filho. No entanto, se, quando
chegar a hora, não sentir nada disso, ainda assim, palmas para você. Fez o que
conseguiu fazer. E já está bom.
*Médica
endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de
Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora
do livro “Segurando a Hiperatividade”
Concordo, a maternidade não é atestado de felicidade
ResponderExcluiré uma responsabilidade a mais, é um ser pra vida toda.
Mania que a gente tem que apostar as fichas no outro.
Infelizmente a sociedade cobra e a gente se permite a essa cobrança.
Verdade, Núbia. A menor manifestação de desconforto por estar grávida, faz com que os outros, e especialmente as outras, lancem pedras sem dó nem piedade.
ExcluirAí entram mil questões em conflito, inclusive o direito ao aborto - dilema ético e religioso dos mais escabrosos. Ótima reflexão, Mara. Abraços.
ResponderExcluirNo caso, Marcelo, abordei apenas o caso de gravidez escolhida e programada. A mulher em questão, quer o filho, mas não quer a gravidez. O aborto é outra vertente mais do que polêmica, mas que também precisa ser pensada e refletida. Obrigada pela passagem e comentário.
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