Vergonhas de uma nação
* Por Cecília França
Outro dia entrei num
supermercado, estava com pressa, queria ser atendida rapidamente. Chamei um
rapaz de, no máximo, 17 anos, para empacotar minhas compras. Não me deu
atenção. Quando me dei conta, um senhor vinha correndo (com perdão da
hipérbole): pegou as sacolinhas e colocou os produtos dentro.
Antes disso, deu-me um sorriso, o
qual correspondi, surpresa. Parecia cansado, eram quase seis da tarde e ele
deveria estar trabalhando desde a manhã. Tinha por volta de 70 anos. Pensei na
hora: “Não fosse a aposentadoria miserável, nenhum idoso precisaria trocar sua
caminhada matinal e a conversa com os amigos na praça por trabalho”.
Perguntou-me se estava de carro.
Disse que sim, no estacionamento, um Gol prata. Colocou as sacolas dentro do
carrinho com uma agilidade invejável ao desatento adolescente que eu chamara
anteriormente. Foi fabuloso vê-lo seguir rumo ao automóvel com um pé sobre a
barra inferior do carrinho e outro pegando impulso no chão, como fazem as
crianças de hoje com seus patinetes.
Senti piedade. Mas, para minha
surpresa e desconcerto, ele parecia ter percebido meu sentimento e retribuiu-me
com um sorriso, como se dissesse que era ele quem deveria sentir aquilo por
mim. Seu João Silveira Dias deve ter adivinhado naquele momento o quanto minha
vida era corrida e quão velha, aparentemente, eu seria na idade dele. E deve
ter pensado em tudo o que eu não saberia quando chegasse lá.
Seu João precisava do emprego no
supermercado para completar a aposentadoria que conseguira depois de anos de
trabalho pesado na lavoura. Eu precisava dele para levar minhas sacolas.
Ademais, olhando fundo em seus olhos enrugados e suados, pensei que precisava
dele para muito mais do que isso.
Precisava dele para me ensinar a
como levantar de manhã com um sorriso no rosto e como trabalhar assobiando o
dia todo; enquanto eu levantava esbravejando, pedindo mais dez minutos de
descanso.
Precisava dele para me mostrar a
beleza do pôr-do-sol que ele admirava após as seis horas da tarde, enquanto
voltava a pé para casa. Nessa hoje, eu estava no meu carro sem olhar para o
céu, com as janelas fechadas e o ar-condicionado ligado.
Eu precisava da dignidade que
aquele homem demonstrava a cada vez que servia um dos clientes do supermercado.
Ele me fez sentir vergonha de um
país que exige de pessoas que já dedicaram mais de 50 anos ao trabalho que
passem o fim da vida em um supermercado, ganhando um salário mínimo e
vale-transporte, que não usam, para poder vender e completar a renda familiar.
Ele me fez sentir vergonha de não
ser eu a carregar as sacolas para ele.
* Jornalista, site: http://jornalogia.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário