De um tempo de festas
* Por
Leonardo Dantas Silva
Era chegado dezembro.
A festa de Santa Luzia, com suas luzes e gente de
todas as partes, anunciava às crianças do bairro que estávamos em no mês das
festas. Carrossel, roda-gigante, montanha russa, casa-dos-loucos, barquinhos,
onda-marinha, barracas de prendas, bares e um serviço de alto-falantes com as
suas mensagens “de alguém para você” compunham a paisagem do Parque de
Diversões Recife.
Em frente à secular matriz de Nossa Senhora do
Rosário da Torre, toda iluminada por cordões de lâmpadas que anunciavam de
longe a sua presença, mamulengos, pastoris e a retreta, animada pelas bandas do
Liceu e da Polícia Militar, encantavam os freqüentadores da festa em honra da
padroeira dos operários das indústrias de fiação e tecelagem.
O padre Romeu Gusmão da Fonte, recém-chegado à
paróquia, era todo doação para com seus novos paroquianos que, ainda em nossos
dias, o têm como um santo, refrigério de todas as horas.
Estávamos em dezembro, era tempo de festas no bairro
da Torre.
No SESI e na Vila Operária, os pastoris eram o
chamariz dos finais de semana. Belas pastoras, orquestras nem sempre afinadas,
jornadas animadas, belas pernas a rodopiar no tablado, faziam a festa em que os
leilões de prendas e ramalhetes se tornavam o alvo especial de nossas
brincadeiras… Para os mais tímidos, nós nos cotizávamos e arrematávamos os
ramalhetes, só para gozar com a cara sem graça do pobre… O “escolhido” era
forçado a subir ao palco debaixo de nossas vaias e assobios.
Senhor Luizinho,
Por sua bondade,
Receba o ramalhete,
De boa vontade
Senhor Luizinho,
Foi quem mereceu,
O lindo ramalhete,
Que a pastora deu.
Por sua bondade,
Receba o ramalhete,
De boa vontade
Senhor Luizinho,
Foi quem mereceu,
O lindo ramalhete,
Que a pastora deu.
Na Madalena, no Sítio dos Valença, os compositores
João e Raul Valença, o primeiro encarregado da parte musical e o segundo da
coreografia, dirigiam a encenação do seu tradicional presépio.
Dezembro passava célere… Num piscar de olhos já
estávamos na semana do Natal…
Na pobreza da Rua Marquês de Maricá, porém, a festa
não tinha a animação do São João, muito embora guardasse na singeleza dos lares
o espírito natalino. Naquelas casas não havia lugar para a figura do “Papai
Noel”, nem muito menos para pinheirinhos cobertos de algodão, como a imitar
neve neste verão tropical. Nas salas tão somente uma miniatura da lapinha, como
a lembrar o nascimento do Cristo em Belém, e nas mesas algumas iguarias em tudo
estranhas às residências de maiores posses.
- Um quarto de cabrito assado, com farofa,
substituía com mais graça e sabor o peru da mesa dos ricos.
Na noite do Natal as crianças, algumas com as suas
roupas novas, outras tão somente com o espírito natalino a povoar os seus
sonhos, brincavam na rua sem calçamento, nem iluminação pública, à espera da
missa do galo.
Brincava-se de roda, de barra-bandeira e de outras
tertúlias infantis, à espera da meia-noite quando o bairro inteiro tinha um
encontro marcado na missa campal, em frente à matriz iluminada, com cânticos
natalinos e pregações a cargo dos padres José Sales Tiné e Romeu da Fonte, sob
o repicar dos sinos anunciando a noite de Natal.
Velhos e moços, crianças e adolescentes,
abraçavam-se e desejavam, como se fizessem parte de uma grande e infinita
família, os melhores votos de um Feliz Natal! …
Era a renovação construída através das gerações,
tendo por cenário o então bucólico bairro, que naquele instante se
confraternizava naquela noite cheia de mistérios.
Nos lares mais modestos, os bolos e, muito
especialmente, os pastéis de carne de porco, cobertos com açúcar e canela,
faziam parte de nossa ceia.
Era Natal, a rua humilde de casas de taipa,
“cariadas porém de pé” para usar a imagem do poeta, parecia vestir-se de
alegria e esperança.
Os meninos iam dormir sonhando com os presentes que,
ao acordar, iriam encontrar sobre os seus sapatos… Presentes que, de tão
modestos, tornar-se-iam descartáveis para qualquer criança dos nossos dias.
*
Historiador, jornalista e escritor do Recife/PE
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