Meu bairro e a Faixa de Gaza
* Por
José Ribamar Bessa Freire
Confesso, humildemente,
que não entendo bulhufas de política internacional, por isso não me atrevo a
comentar os acontecimentos na Faixa de Gaza. Nem os do território palestino,
nem sequer a Gaza das favelas cariocas. Nada sei fora do bairro de Aparecida, em
Manaus. A Isis que conheço é uma caboca peitudinha que mora no Beco da Escola,
fica saliente ao ver farda e ainda hoje lembra com saudade os amassos do
Geraldão, tenente do NPOR, com quem ficava num agarramento escandaloso. De
Gaza, ignoro as fofocas, que é a forma suprema e mais sofisticada do saber. Sei
apenas que ISIS é a sigla do grupo que luta por um Estado Islâmico no Iraque e
na Síria. Nada mais.
Gaza está tão longe e
Aparecida tão perto! Mas de repente, Gaza ficou mais perto de mim do que o bairro
onde nasci, porque mexe com o que existe de profundo em cada um de nós: a nossa
humanidade. Ninguém precisa fumar cachimbo e usar boina basca como os
comentaristas internacionais ou fingir inteligência como a equipe do Manhattan
Connection para saber que o que está acontecendo em Gaza é um exemplo acabado
da estupidez, que nos traz tanto desencanto e compromete o destino da espécie
humana.
Que fique claro,
portanto, que não tratamos aqui de política internacional, mas da barbárie e da
bestialidade humana, da qual cada um de nós entende um pouco. Não há outro nome
para o fato testemunhado da janela do luxuoso hotel al-Deira, na cidade de
Gaza, por dois jornalistas do New York Times. Eles observavam crianças
palestinas que brincavam de bola, alegres e felizes, numa praia do Mar
Mediterrâneo, quando foram assassinadas covardemente pela artilharia israelense.
O
militarismo
As estatísticas mudam a
cada hora. Desde o início da operação
israelense, no dia 8 de julho, até o momento em que escrevo, os bombardeios já
mataram quase 300 palestinos, 80% dos quais civis, incluindo cerca de 50
crianças, feriu mais de 1.500 pessoas, destruiu completamente mais de mil
casas, danificou outras duas mil casas e causou um prejuízo de dois bilhões de
dólares em danos à infraestrutura: luz, água, estradas, ruas, monumentos,
prédios residenciais, hospitais, mesquitas, escolas.
Os partidos de extrema
direita Casa Judaica eIsrael Nossa Casa
justificaram o crime. Um deputado sionista, Eli Ben Dahan, que seria
aplaudido por Bolsonaro, declarou com todas as letras que "os palestinos
não são seres humanos, não merecem viver, não são nada, não passam de
animais".
Diante da reação
internacional, os militares israelenses, para quem "as vítimas civis são
danos colaterais", juram, em nota oficial, que erraram o alvo, que vão
apurar o que aconteceu e que "o Exército não tem intenção de ferir civis,
mas foi arrastado pelo grupo islâmico Hamas para dentro de uma realidade de
combate urbano". Tem razão Eduardo Galeano quando escreve:
"O exército
israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata
por engano. Mata por horror. Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica
terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de
Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por
multiplicá-los".
Para o físico Albert
Einstein, alemão de origem judaica, é isso mesmo, não existe qualquer diferença
entre matar na guerra e cometer um homicídio comum, ambos são igualmente
abomináveis: "O militarismo é uma nódoa nas grandes realizações da
civilização moderna. Heroísmo encomendado, violência regulamentada, patriotismo
arrogante tornam vil e abominável qualquer guerra de agressão. Da minha parte,
preferia ser fuzilado a tomar parte numa luta desse tipo". Grande
Einstein.
Nos anos 1950, Einstein
condenou com firmeza o militarismo hoje dominante em Israel, quando afirmou que
"a pior das instituições gregárias se intitula militarismo. Eu o odeio. Se
um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar ao som de uma banda militar,
basta para merecer o meu desprezo. Esse homem recebeu um cérebro volumoso por
mero engano, a espinha dorsal seria perfeitamente suficiente para ele".
A guerra, qualquer
guerra, representa a barbárie, a selvageria, a incapacidade de resolver os
problemas através do diálogo que - segundo Jorge Luís Borges - é a mais
criativa e civilizada invenção do ser humano, mais importante do que a bomba
atômica".
O diálogo
Como é possível que
nações civilizadas, portadoras de alta tecnologia, praticando uma ciência de
ponta, com filosofia e literatura refinadas, com pensadores de alto nível, na
hora de resolver seus conflitos, em vez do diálogo, partem para a guerra, para a
matança, para a carnificina, para a destruição de vidas incluindo civis e
crianças? Por que não buscar o exemplo de culturas muito mais civilizadas nesse
campo?
Os índios Wayuu,
conhecidos também como Guajiro, que vivem na Venezuela e na Colômbia, criaram
um sistema jurídico singular, que resolve os conflitos internos sem necessidade
de usar a força. Os conflitos, inevitáveis em qualquer sociedade, lá são
resolvidos através do pütchipü´u, nome de um pássaro, um papagaio falador, que
serve também para designar dentro da sociedade guajira o “mestre da palavra’, o
“dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem.
Quando alguém se sente
prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as partes
em litígio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes ameaçadores
sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo pode
perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um intermediário,
um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema jurídico Wayuu não é
um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de compensação”, “justiça de
restituição”.
Por isso, há uma reação
internacional contra os crimes cometidos em Gaza. Manifestações em algumas
capitais europeias, protestos, inclusive com carta aberta assinada por artistas
e intelectuais de diversos países, entre eles seis vencedores do Prêmio Nobel
da Paz exigindo embargo militar contra os israelenses. Mas é ainda pouco. O
secretário geral Ban Ki-Moon deu uma declaração tímida que só evidencia sua
pusilanimidade. Obama, bem, Obama é uma fraude.Veio com o mesmo lero-lero.
Enquanto não acontece
uma reação mais firme, temos que sair de nossas Aparecidas para chorar as
crianças assassinadas em Gaza e manifestar nossa indignação contra os
fipilhopós da putapá que matam crianças e civis numa guerra sórdida sem
sentido. O Geraldão usava a farda para fins mais nobres: conquistar as
caboquinhas. Einstein não sabia quais as armas que seria usadas na III Guerra
Mundial, mas profeticamente anunciou que "a IV Guerra Mundial será lutada
com paus e pedras". O planeta precisa urgentemente de pütchipü´us.
* Jornalista
e historiador
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