Chamando Isaura
* Por
Evelyne Furtado
Passei e vi a casa
quase ao chão. Não a derrubaram toda. Ficou uma boa parte em pé. Não sou
saudosista. Até achei que havia resolvido esse assunto da venda da casa dos
meus avôs. Mas não. Naquele momento percebi que não era mais a nossa casa.
Deu-me vontade de entrar e chamar Isaura, a prima da minha avó que morava lá e
sempre estava em casa. Deu saudade de Isaura, que embalou todos os netos com
meiguice.E nem éramos netos dela. Éramos netos de sua prima. Desde aquele dia,
eu calo o grito que chamaria Isaura e me faria entrar na casa que representava
alegria, brincadeiras e segurança.
Quando menina, eu
adorava escutar a conversa entre a minha bisavó Anna, Soledade, uma moça que
costurava e morava na casa e Isaura. Viajava no tempo com elas e voltava
enriquecida de lá.Minha memória abriga a vida no começo do século XX, com certa
familiaridade.Como se tivesse vivido na época, em razão desse convívio.
Aquela casa evoca
muitos sentimentos. Alegres e tristes. Todavia lá eu me sentia segura. Ali eu
encontrava os livros maravilhosos de meu avô; ali via a família reunida; ali eu
levava meus amigos. E ali vivi dores e perdas também.
Mas hoje eu quero
chamar Isaura. A moça que não casou e foi morar com parentes, mas que não tinha
nada da solteirona amarga. Ao contrário, era dona de uma doçura discreta. Era
tímida, mas adorava conversar.
Para mim, só tinha um
defeito: protegia meu primo Cláudio, que foi um dos meninos mais danados que
conheci. Isaura era a advogada dele e defendia seu cliente com fervor. A mim,
aquilo era injusto, pois ele aprontava todas. Hoje acho bonita essa atitude e
aceito a predileção dela.
De repente, me vejo
junto a Luiz Henrique, outro primo, ao redor da mesa, esperando Isaura terminar
de bater os bolos. A gente ficava conversando e quando ela passava as duas
tigelas para as assadeiras, era a hora de nos esbaldarmos nas sobras da massa
dos bolos mesclados com chocolate.
Hoje a minha saudade da
casa veio por meio de Isaura. De suas histórias, como a de ter tido que se
abrigar durante a noite em casa de estranhos quando a Intentona Comunista
chegou a Natal. Ou a de um naufrágio ocorrido quando um cunhado seu era
faroleiro na Praia de Touros (RN).
Isaura que teve um
noivo, não casou. Um dia me disse que sonhava muito com alianças. Ela não
conhecia os significados dos sonhos, mas,na minha opinião, as tais alianças
oníricas afloravam o seu desejo de ter alguém.
Todavia, se a vida a
decepcionara por não ter lhe dado marido e filhos, ela não reclamava e oferecia
sua doçura aos sobrinhos que a visitavam e a nós seus netos de coração.
Após tanto tempo a casa
mudou de donos. Não é mais nossa. E não vai adiantar chamar Isaura ao entrar
pelos jardins ou pelo portão da cozinha.
O assunto da casa dos
meus avós termina aqui. Termina com Isaura, a moradora mais recatada e
verdadeira guardiã daquela casa, de onde só saía para ir a missa. Termina com
esse contato com ela, que deve estar no céu rodeada de anjos-namorados, pois se
Isaura não tiver direito a esse céu, ninguém mais terá.
8
Poetisa e cronista de Natal/RN
Isaura já tinha aparecido por aqui. Como é bom ter lembranças boas de ótimas pessoas. Eu não tenho nenhuma Isaura para me lembrar.
ResponderExcluir