O sol que nos recobre
* Por
Mara Narciso
Os humanos do século
XXI estão se tornando inválidos. Têm as juntas emperradas, a musculatura fraca,
as forças adormecidas e uma dominante preguiça de se mover. As crianças de
hoje, ainda que maiores e mais pesadas, caso fossem colocadas num cabo de
guerra, dez de cada lado, contra as crianças que foram os seus avós, perderiam
feio. Seriam jogadas ao chão. Estes mesmos avós podem ter sido mais
desnutridos, tido mais vermes, porém, andavam e corriam. A regra hoje é ficar
sentado comendo, apertando botões ou tocando em telas. Ninguém dá mais que dois
passos, não lava uma roupa, nem abre portão ou vidro de carro, nem anda para
atender telefone, nem para mudar o canal de televisão. Daí a fraqueza reinante
e a necessidade de ir à academia.
Quando surge um convite
para caminhar, seja na praia, seja nos campos e montanhas, o natural é a pessoa
recusar, se dizendo essencialmente urbana e motorizada. Desconhecem a expressão
“fazer ginástica”. Falam “malhar”. Dentro de casa, sob luz artificial, gastando
uma energia elétrica que não está sobrando, jovens desenvolvem doenças de
velhos como obesidade, diabetes, hipertensão arterial, e índices baixos de
vitamina D, indispensável para a calcificação óssea. Sugere-se exercitar e
tomar contato com o sol. Dez minutos ao meio dia são suficientes para melhorar
o teor desse hormônio. Mas quem quer largar o sofá? Estamos impregnados de medo
de câncer de pele e de caminhar.
Um fim de semana na
roça faz diferença. Que tal deixar a parafernália eletrônica e fazer uma
“expedição” caminhos afora para conhecer o outro lado da vida? Não vale dizer
que não quer sujar os pés. Sob a proteção de chapéus, a caminhada em busca de
ar livre cai bem. Pode-se fazer um pacote completo, aproveitando-se um período
de festas, reunindo-se com amigos e a família, visitando pontos curiosos da
zona rural.
Tendo como referência o
Sítio Vale das Nascentes, do meu tio Petronilho Narciso, em Santa Rosa de Lima,
saímos em excursão atrás de uma pequena cachoeira na serra. Éramos oito
pessoas, que seguíamos numa trilha, morro acima, enquanto tirávamos fotos e nos
sensibilizávamos com a seca que castiga o norte de Minas há anos. Nas baixas há
água perene, enfeitando a mata seca com seu verde improvável, salpicado daqui e
dali. A vereda tinha, como lhe é habitual, vários coqueiros de coco macaúba, e
pasmem, encontramos um deles, que fora abatido para arrancarem um cacho de
cocos.
Protegidos por altas
perneiras, para evitar picada de cobra jararaca, fomos até a pequena queda
d’água, da qual corria o precioso líquido numa quantidade superior a
expectativa, considerando-se a sequidão reinante. Abaixo dela, um laguinho de
águas azuladas e gélidas. É natural ter vontade de mergulhar na água, coisa que
só os muito corajosos conseguem. Meu tio Petronilho fez isso. Os demais
trataram de posar para as fotos.
No dia seguinte, outra
expedição, mais longa e de caminho mais acidentado. Nesta, apenas quatro
pessoas foram à gruta, na mesma serra. Esta atração, mais difícil de ser
atingida, deu mais prazer alcançar. Transpusemos a vereda, os pastos, um
pequeno bosque com riacho, e após uma subida íngreme, chegamos. Tinha uma
entrada medianamente ampla, de terreno acidentado, com buracos traiçoeiros.
Após estar dentro dela, via-se que tinha um grande salão, de teto alto, e um
córrego que entrava por uma porta aberta na pedra, ao fundo. O chão era todo de
areia escura e grossa. Não havia lixo, porque meu tio fora antes e o coletou.
Tínhamos duas fontes de luz: uma lanterna e um lampião. Ainda assim, foram
insuficientes para tirar boas fotos. Uma larga e linda estalactite, em formato
de cogumelo atômico invertido, do lado esquerdo do teto da entrada trazia em
seu bojo um letreiro de propaganda azul escuro, que naturalmente nos incomodou.
Do outro lado, podiam-se ver outras pichações. Rastro de imbecis. Falei que o
lugar, distante uma hora de Montes Claros, está na zona de terremoto, e sentir
um deles lá dentro, além de perigoso, seria muitas vezes mais barulhento.
O esforço culminou com
o prazer da aventura concretizada e do sol na pele. Senti-me bem por voltar às
origens, escalar, sujar os pés, suar, sentir calor, sentir frio, e conviver com
tios e primos por três dias numa mesma casa. Um passeio para guardar e para
contar. Por isso eu contei.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Fez muito bem em contar. Muitos, infelizmente, guardam para si e não contam suas aventuras, que nos revigoram física, mental e espiritualmente. O sedentarismo e o individualismo hoje caracterizam muitas pessoas por sua mórbida inércia.
ResponderExcluirNota dez para as suas considerações, Edir. Muito obrigada!
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